A Primeira-dama

Vi um blogueiro falando sobre a “formosura da nova Primeira-dama” do Brasil. Ela é, realmente, muito bonita… mas deve ser alguma coisa além disso. Toda mulher tem uma história por trás de seu rosto, seu corpo, mas parece ser difícil, ao homem, lê-la.

Esse é sempre o atributo que qualifica o sexo feminino: ser formosa, ser bonita, ser gostosa.

Não conheço a Primeira-dama. Não sei o que ela faz, o que estudou, o que gosta de ler, se prefere ir ao cinema às terças ou domingo, se planta suculentas. Pelo pouco que li, sei que é evangélica e flamenguista. E só.

Ela é reservada, não gosta de aparecer nos holofotes, e eu não sou de forçar amizade. Portanto, é bem provável que eu passe os próximos quatro anos sem saber o que ela faz, o que estudou, o que gosta de ler. Sei que tampouco irá ao cinema, pois o poder tira das pessoas alguns pequenos prazeres banais. A Primeira-dama do país é uma incógnita que eu não tenho interesse em desvendar.

Mas, se nada nela, particularmente, me chama a atenção, me afeta o discurso que dirigem a ela.

Fosse eu uma reprodutora dos devaneios patriarcais, diria que essa moça, cujo nome é Michele (não sei se com um L ou dois), é uma Primeira-dama evangélica flamenguista bonita, casada com um homem muito, muito feio. Nunca o Brasil teve um homem tão feio como presidente.

Ele tem a pele horrorosa, maltratada. O olho claro mostra que nem sempre o olho claro salva. Os dentes são horríveis, a boca é murcha. Acho que cheira a mofo e peida alto.

Dizem que John Kennedy ganhou as eleições nos Estados Unidos por ser bonito e sedutor. O atual presidente do Brasil deve ter ganho justamente por não ser nada disso: não é bonito, não seduz, não é inteligente e, ainda assim, se acha bem melhor que é. O típico homem da modernidade.

Incapaz de achar o ponto G, pensa que salvará o mundo.

São muitos homens finalmente achando, nesse homem, a ressonância para suas angústias masculinas. Exatamente os homens que me deixam, mais uma vez, no escuro sobre a Primeira-dama, limitando-se a dizer o óbvio: ela é bonita e formosa.

E a outra, a anterior, também era. Então, pelo menos nesse ponto, tudo continuou igual.

Mas o que veio antes das duas Primeiras-damas que foram taxadas de formosas, belas, recatadas e do lar, foi uma presidente mulher. A homarada logo se adiantou a colocar na mesa seus principais atributos de governabilidade: feia, vagabunda, burra, imbecil, uma filha da puta.

Nos anos em que não tivemos um Primeiro-cavalheiro, nunca ouvi um homem dizer como a presidente administrava mal suas funções usando, exatamente, essas palavras: má-administradora. A coisa toda girava em torno de: “essa anta faz tudo errado”, e estava resolvido.

A anta feia não podia governar.

Quem pode governar são os homens, boçais, feios, que devem cheirar a mofo e peidar alto. Mas, Deus, como governam bem esses homens! A gente nem para pra pensar que todos são brancos, de tão bem que eles governam.

E, antes da presidente, tivemos uma Primeira-dama de esquerda, ovacionada pelos militantes do partido. E, antes, tivemos uma Primeira-dama acadêmica que não gostava muito de ser chamada de Primeira-dama. E, antes, tivemos outras e outras Primeiras-damas, porque tivemos muitos homens no cargo.

Muitos homens feios, boçais, cheirando a mofo e peidando alto. Mas, veja só, eram homens. Qualquer um desses adjetivos não lhes faria nenhum mal.

E hoje me vejo pensando na Primeira-dama, em como não sei nada sobre ela, em como talvez não saberei, e concluindo que, talvez, ela tenha sido projetada para ser, simplesmente, formosa. Pode ser que isso seja exatamente o que ela queira. Pode ser que não.

Acho que não saberei tão cedo.

Fato é que ela se casou com um homem muito, muito feio, que quer a Primeira-dama exatamente no nível de desconhecimento público em que a Primeira-dama está, pois acredita que ela é menos importante que ele.

E ele poderá ser o pior administrador público que o país já viu, e isso não fará a menor diferença. Afinal, ele é homem. E, por mais que eu quisesse mostrar o quão feio ele é, homens não julgam homens pela sua aparência física.

Por isso, não espere ver um adesivo do presidente em poses proctológicas quando o preço da gasolina subir e deixar outros homens irritados. Eles, no máximo, falarão que “esse cara está fazendo besteira! Não é um bom cara”. Nada de anta, de vagabundo, de imbecil, de burro. Ele é homem, e é um completo absurdo julgá-lo pela aparência física ou falta de inteligência.

Isso é só quando a gente tem uma Presidente.

As Primeiras-damas, como se convencionou após termos uma mulher no posto máximo da República, continuarão sendo formosas, belas, recatadas e do lar. E eu ainda continuarei sem saber se elas preferem ir ao cinema às terças ou domingos.

*

Esse blog não utilizou nenhuma foto da Primeira-dama do Brasil para não infringir os direitos de uso de imagem.

E também porque não é obrigado a dar palanque para a nova família real brasileira.

Deixe um comentário

Assine a newsletter!

Deixe seu e-mail e você receberá o Literama em sua caixa de entrada!