Na natureza selvagem

Por Patrícia Cozer

Imagine que estamos de bobeira numa sexta à noite, bebendo alguma coisa que nos deixe mais alegres do que já somos e que a conversa descambe para a opressão do sistema, o sentido da vida e as pessoas que se enfiaram no meio do mato pra encontrar sua essência e coisa e tal.

Aposto um novo copo de bebida que alguém vai citar aquele bendito filme “Na Natureza Selvagem”.

É um clássico, é o sonho americano da juventude com sotaque sulista brasileiro ;p:

“Bah, cansei dessa porra, minha família é um desastre, não aguento hipocrisia, essa sociedade é doente, o negócio é ser livre e morar onde eu quiser, do jeito que eu quiser”.

Se usarem esses argumentos enquanto citam a trajetória de Chris McCandless nesse filme inesquecível, eu provavelmente vou acabar beijando o chão, devido às apostas alcóolicas.

Longe de mim menosprezar ou escrachar o filme: tá na minha lista de favoritos e já o revi pelo menos cinco vezes nessa vida, em momentos diferentes. O enredo todo – ainda mais por ser uma história real – me fascinou há muitos anos, mas só recentemente comecei a pensar em ler o diário do rapaz: uma compilação de histórias e de como tudo aconteceu, reunida por Jon Krakauer.

Jon é um escritor e alpinista americano que se interessou pela história de Chris McCandless mais a fundo depois de publicar uma matéria sobre o garoto e sua morte no Alasca – e receber dezenas de cartas enfurecidas, dizendo que Chris teve o fim que merecia por desafiar a natureza.

Digamos que Jon decidiu ir atrás de mais informações e começou a escrever “Na Natureza Selvagem” como forma de defender o ousado protagonista. Como tantos de nós – me incluo! –, Jon havia sido conquistado por McCandless e seu modo “diferentão” de encarar a vida.

Ler partes do diário de Chris foi uma experiência arrepiante em muitos momentos, mas o livro em si deixa um pouco a desejar. Acho que Jon foi infeliz na extensa descrição da geografia, da mata, de ruas e rodovias que eu nunca ouvi falar. Ele oferece muitos detalhes, pois realmente refez todo o percurso de McCandless, placa por placa, pegada por pegada.

Essas partes me davam tédio.

Eu estava mais interessada nos tipos de relações que Chris McCandless havia desenvolvido com seus pais, sua irmã, amigos próximos e todos os seres que encontrou enquanto pegava carona. Sua história com a família é realmente tensa e acho que explica, em partes, sua fuga arquitetada para o Alasca.

Acredito que Jon tenha feito o melhor possível reescrevendo a história do garoto que doou toda sua poupança da faculdade (avaliada em mais de 20 mil dólares) para uma instituição de caridade e se jogou na vida do modo mais simples que alguém na idade dele – então com 22 anos – poderia fazer.

Contudo, senti falta de um pouco mais de jeito, de tato, de sensibilidade nos relatos. Chris conheceu muita gente interessante na estrada, e marcou a vida de cada uma dessas pessoas. Quando Jon foi atrás desse pessoal para coletar depoimentos, todos falavam com grande carinho da pessoa incrível que Chris era. Nesse sentido, o filme foi melhor explorado.

Quanto à velha ideia de “vou pro meio do mato pra me encontrar”, penso que não era só isso que permeava o desejo de McCandless, sabe? O garoto era inteligentíssimo (tirando a parte de ter se enfiado na selva só com 4kg de arroz para sobreviver por 1 mês, o que, apesar de admirável, não me soou muito inteligente). Me parece que ele ansiava por algo a mais, talvez por dores e desafios a mais, por sentir verdadeiramente o que é ser parte da natureza, confrontá-la – sentir-se realmente vivo, indo muito além do filtro social de “nascer, crescer, trabalhar para o sistema, casar, reproduzir, morrer”.

Nunca saberemos muito bem o que se passava na mente de Chris, mas suas lições viraram febre e se espalharam pela internet rapidamente. Com certeza você já viu a frase “A felicidade só é real quando compartilhada” estampando algum post ou textão reflexivo por aí. Seus escritos são poucos, mas inspiradores o suficiente.

Eis um exemplo:

Acho que você deveria realmente promover uma mudança radical em seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar. Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem do que um futuro seguro”.

(Trecho de uma carta escrita por Chris McCandless, enviada a um senhor de mais de 80 anos que vivia triste e solitário, até Chris aparecer e sugerir que ele mudasse radicalmente de vida. Detalhe que só o livro nos revela: o vovôzinho REALMENTE mudou…).

Tanto o livro como o filme nos fazem pensar. Apesar de ser um tanto seco e pouco espirituoso para escrever, Jon Krakauer conseguiu levar as ideias de Chris adiante. E as cartas enfurecidas, culpando o garoto pelo que havia feito e dizendo que ele era doido?

Segundo o autor, elas finalmente pararam de chegar.

Sobre a autora

Paty Cozer é profissional de Letras que apostou tudo no universo freelancer para trabalhar de casa e morar perto da praia. Revisora de textos e produtora de conteúdo que se divide entre escrever, caçar framboesa e se apaixonar por Floripa.

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