As delícias de ler Roube Como um Artista

Ler Roube como um artista, de Austin Kleon, é se jogar em um poço de criatividade. Quer ver?

Se estivesse em um confessionário, ao invés de encarando uma página em branco em um editor de blog, diria a quem estivesse encarcerado na caixa de madeira, a me ouvir, que meu maior pecado literário é inventar novas histórias para personagens que não criei.

Não porque seus autores não fizeram um bom trabalho, mas por imaginar que os personagens poderiam viver muitas aventuras além daquelas que me foram sugeridas. Inspirada por linhas desautorizadas pelos criadores originais, dou contornos a meus próprios personagens e textos.

Perguntaria ao ouvinte da minha confissão a quem pedir perdão pelo erro cometido. Afinal, a cópia está no rol dos crimes hediondos do mundo da escrita.

Fico aliviada por ter sido respondida, no atropelo da imaginação, pelo livro “Roube Como um Artista”.

Nunca vou me esquecer de quando notei sua existência, nem pelas mãos de quem: era novembro quando Lucas, meu orientando de Marketing Digital, me mostrou a obra. Diretamente saída de uma gaveta de sua estação de trabalho, o pequeno livro quadrado de capa preta prometia, em caixa alta, me expurgar de todos os pecados que pensei ter cometido.

Austin Kleon não só salvou minha alma como encheu minhas mãos de arte. Deu ideias um tanto quanto absurdas – e, por isso, maravilhosas – de como criar sem temer e sem julgar, aos outros ou a mim mesma.

Consegui me enxergar artista, e, finalmente, colocar flores no altar de inspirações que construí ao longo dos anos, onde ídolos me olham com tenacidade e, por sobre meus ombros, abençoam as resmas que se espalham por minha mesa analógica.

Enfim, sou livre para roubar.

Esse é o primeiro mandamento.

Uma aula de criatividade

A história que contei acima tem a cenografia roubada do primeiro episódio da série Anne with an E, que assisti antes de redigir o texto. Nele, a protagonista aprende a rezar, coloca à prova sua capacidade de pedir perdão e cercar de humildade seus desejos suplicados aos céus.

Me soou poético fazer a ponte entre algo que acabei de consumir e o que estou prestes a criar, principalmente porque sequer tenho religião. Espero que apoderar-me dos preceitos do cristianismo tenha feito a metáfora parecer viável.

É isso, e muito mais, que “Roube Como um Artista” nos incita a fazer. Desbloqueando a mente, conseguimos extrair mais – e com mais qualidade – do que nossa imaginação oferece ao mundo.

Já dei aulas sobre criatividade na escrita e, depois dessa leitura, todas me parecem bastante incompletas. Se quem me lê foi aluno de algum, me chame para tomar um café e iremos atualizar esse conhecimento.

Seduzida pelo título, roubei dele até a última gota, mas com muito esmero para não plagiar. Austin conhece os limites e separa o que é roubo “honesto”, ferramenta de inspiração, de plágio, que é quando alguém pega trechos da obra (ou ela toda) de outrem e afirma ter proferido, ele mesmo, tais palavras.

O plágio – esse sim, o principal crime do ofício da escrita – não pode ser considerado o ato de roubar como um artista; é apenas roubar. Como o próprio autor diz,

“plágio é fazer o trabalho do outro passar por seu. Copiar é engenharia reversa. É como um mecânico removendo partes de um carro para ver como ele funciona”.

Tomar o que é do outro sem lhe dar os devidos créditos não é digno, e podemos falar por horas sobre quem faz isso e ganha dinheiro fácil com o esforço dos criadores originais.

Mas esse é papo pra outro post.

Neste, quero registrar a necessidade de todo escritor, ou artista de outras áreas, em ler o que Kleon escreveu. Suas linhas e ilustrações são capazes de abrir mentes, além de portas.

Para justificar o título do livro, roubei alguns trechos e os colo aqui para seu deleite, dentre os quais alguns me inspiraram diretamente na criação desse blog.

O fichamento, no entanto, não é tudo o que a obra traz: a experiência só estará completa depois que você mesmo tiver lido o pequeno livro de capa preta.

Trechos de Roube como um artista

“Quando as pessoas dão conselhos, estão de fato apenas conversando com elas mesmas no passado”.

“É como o escritor francês André Gide assinalou: ‘Tudo o que precisa ser dito já foi dito. Mas, já que ninguém estava ouvindo, é preciso dizer outra vez’”.

“Todo artista é um colecionador. Não um acumulador, há uma diferença: acumuladores colecionam indiscriminadamente, artistas colecionam seletivamente. Eles colecionam apenas coisas que realmente amam”.

“Você será tão bom quanto as coisas com as quais você se cerca”.

“Mastigue um pensador – escritor, artista, ativista, alguém exemplar – que você realmente ame. Estude tudo o que há para se conhecer sobre esse pensador. Em seguida, encontre três pessoas que esse pensador amou e descubra tudo sobre elas”.

“Ver a si mesmo como parte de uma linhagem criativa o ajudará a sentir-se menos sozinho enquanto você começa a desenvolver seu próprio trabalho”.

“A melhor coisa a respeito de mestres mortos ou distantes é que eles não podem recusá-lo como aprendiz. Você pode aprender o que quiser com eles. Eles deixaram seus planos de aula em suas obras”.

“O negócio não é o livro com o qual você começa, mas o livro ao qual aquele livro te levará”.

“Colecione livros, mesmo que não planeje lê-los no momento. O cineasta John Waters falou: ‘Nada é mais importante do que uma biblioteca não lida’”.

“Viu algo que vale a pena roubar? Ponha no arquivo de furtos. Precisa de um pouco de inspiração? Abra o arquivo de furtos. Repórteres jornalísticos chamam isso de ‘arquivo morto’ – gosto ainda mais desse nome. Seu arquivo morto é onde você mantém as coisas mortas que mais tarde reanimará com seu trabalho”.

“Você pode estar com medo de começar. Isso é natural. Existe essa ameaça muito real para todo mundo que é bem educado. Chama-se ‘síndrome do impostor’”.

“Pergunte a qualquer um que está fazendo um trabalho realmente criativo, e ele dirá a você a verdade: não sabe de onde as coisas interessantes vem. Ele apenas está lá fazendo o trabalho dele. Todo dia”.

“Salvador Dali alfinetou: ‘Aqueles que não querem imitar nada produzem coisa alguma’”.

roube como um artista e a estrela mais brilhante do céu“Para o escritor Wilson Mizner, se você copia de um autor, isso é plágio, mas se copia de muitos, é pesquisa”.

“O melhor conselho que tenho a dar não é que você escreva sobre o que conhece, é que escreva o que gosta. Escreva o tipo de história de que você mais gosta – escreva a história que você quer ler. O mesmo princípio se aplica à sua vida e carreira: sempre que estiver perdido sobre o que fazer em seguida, pergunte-se: ‘o que faria disso uma história melhor?’”

“Pense na sua obra favorita e nos seus heróis. O que foi que eles esqueceram de fazer? O que poderia ter sido feito? Se ainda estivessem vivos, o que estariam fazendo hoje? Se todos os seus criadores favoritos se reunissem e colaborassem, o que eles fariam com você na liderança da equipe?

Vá fazer isso.

O manifesto é esse: desenhe a arte que você quer ver, comece o negócio que quer gerir, toque a música que quer ouvir, escreva o livro que quer ler, crie os produtos que quer usar – faça o trabalho que você quer ver pronto“.

“O poeta Kay Ryan constata: ‘Antigamente, antes das disciplinas de escrita criativa, um workshop era um lugar, geralmente um porão, onde se serrava, martelava, perfurava ou esboçava alguma coisa’. O escritor Brian Kiteley gosta de manter seus workshops leais ao sentido original da palavra: ‘um cômodo iluminado, arejado, cheio de ferramentas e materiais brutos onde a maioria do trabalho é feito usando as mãos’”.

“O computador é muito bom para editar suas ideias, e é muito bom para deixá-las prontas para publicar e lançá-las ao mundo, mas não é muito bom para gerar ideias. Há várias oportunidades para pressionar a tecla delete. O computador estimula o perfeccionista perturbado em nós – começamos a editar ideias antes de tê-las. O cartunista Tom Gaud diz que fica longe do computador até ter feito a maior parte da elaboração das suas tiras porque, assim que o computador entra em cena, ‘as coisas já se encontram no rumo inevitável da finalização, enquanto no meu caderno de esboço as possibilidades são infinitas’”.

“Uma vez escutei um colega de trabalho dizer: ‘quando fico ocupado, fico idiota’. Totalmente de acordo. Pessoas criativas precisam de tempo para sentar e não fazer nada”.

“Reserve tempo para se distrair. Perca-se. Sonhe. Nunca se sabe aonde isso irá levar”.

“A sala de aula é um lugar maravilhoso, apesar de artificial: seu professor é pago para dar atenção às suas ideias, e seus colegas estão pagando para dar atenção às suas ideias. Você nunca terá outra vez na sua vida uma plateia tão fiel”.

“Como o escritor Steven Pressfield diz: ‘Não é que as pessoas sejam más ou cruéis, elas só estão ocupadas’”.

“As pessoas adoram quando você entrega seus segredos e, às vezes, se você for inteligente, elas o recompensam comprando as coisas que você vende”.

“Se você está preocupado em entregar seus segredos, pode compartilhar seus pontos sem fazer a conexão entre eles. É o seu dedo que aperta o botão para publicação. Você tem o poder sobre o que compartilha e o quanto revela”.

“Viver cercado de pessoas interessantes ajuda, e não é necessário que sejam pessoas que fazem o que você faz. (…) Ah, e a comida. A comida deve ser boa. Você tem que achar um lugar que o alimente – criativa, social, espiritual e literalmente”.

“Você será tão bom quanto as pessoas das quais você se cerca. No espaço digital isso significa seguir as melhores pessoas online – as pessoas que são muito mais espertas e melhores que você, as pessoas que estão fazendo trabalhos realmente interessantes. Preste atenção nos assuntos sobre os quais elas falam, o que estão fazendo, o que estão compartilhando”.

“A melhor maneira de conseguir aprovação é não precisar dela”. (Hugh MacLeod)

“O negócio não é o dinheiro que você faz, é o dinheiro que você guarda. Organize um orçamento. Viva dentro de suas possibilidades. Leve uma quentinha para o almoço. Guarde as moedinhas. Poupe o máximo que puder. Tenha a formação e educação que precisa pelo preço mais baixo que achar. A arte de poupar dinheiro vem de dizer não à cultura do consumo. Diga não a apostas, a cafezinhos caros, e àquele novo computador bacana quando o seu antigo ainda funciona bem”.

“Faça o trabalho todo dia, não importa o que aconteça. Nada de feriados, nada de dias de cama. Não pare. Provavelmente, o que você irá descobrir é que o corolário da Lei de Parkinson frequentemente é verdade: o trabalho é concluído no tempo disponível”.

“Reunir uma obra consistente ou construir uma carreira tem muito a ver com a lenta acumulação de pequenas partículas de esforço através do tempo. Escrever uma página por dia não parece muito, mas faça isso por 365 dias e você terá o bastante para preencher um romance”.

“Nessa era de abundância e sobrecarga de informação, aqueles que estarão à frente serão aqueles que souberem o que deixar de fora, para assim poderem se concentrar no que realmente é importante. Nada é mais paralisante do que a ideia de possibilidades ilimitadas. A ideia de que você pode fazer qualquer coisa é apavorante”.

“No fim das contas, criatividade não é apenas o que escolhemos usar, são as coisas que escolhemos deixar de fora”.

Uma pequena demonstração de roubo

Inspirada e encorajada pela obra de Austin Kleon, publiquei aqui no blog um “roubo de minha própria autoria”. Deixei nele três citações que me marcaram muito em “Roube Como um Artista” e que não coloquei na seleção acima.

Portanto, ao se sentir atraído pela curiosidade, volte aqui mais uma ou duas vezes para concluir comigo esse raciocínio.

Até lá, me conte: de quem você anda roubando, e o que anda roubando?

Lembre-se que compartilhar os segredos pode ser de grande ajuda, principalmente para mim. 😉

7 Comentários
  1. […] uma escritora frustrada, que nunca escreveu nenhum livro simplesmente por achar que todo mundo já roubou minhas boas ideias de histórias – e as escreveu até mesmo antes de eu nascer. A coisa mudou um pouco de figura quando, […]

  2. […] um artigo sobre o livro “Roube Como um Artista” (você pode ler – ou reler – o texto aqui). De todas as citações que destaquei, três me marcaram profundamente. São […]

  3. Os perigos do plágio - Literama at 17 de dezembro de 2019 Responder

    […] “Roube Como um Artista”, de Austin Kleon, encoraja autores – e, porque não, estudantes – a roubar referências para dar vida às próprias […]

  4. Meus autores favoritos - Literama at 17 de dezembro de 2019 Responder

    […] Kleon fala em seu livro Roube Como um Artista que precisamos nos lembrar dessas pessoas durante o processo de criação de nossas próprias […]

  5. […] livro, cujas impressões coloquei nesse texto aqui, Kleon mostra que o empecilho entre a mesa e meu cérebro artístico é o computador. O trecho é […]

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