Ler Marian Keyes é um deleite – estou 100% certa de que ela é minha escritora preferida nesse mundão grande e sem porteiras. Ela sempre aborda temas difíceis com uma linguagem sutil e delicada. Em Chá de Sumiço, por exemplo, ela apertou um calo que me dói há alguns meses: a depressão.

De outubro de 2020 até hoje (fevereiro de 2021), três pessoas que conheço, mais ou menos da minha idade (30-36 anos), morreram por suicídio em decorrência da depressão. Cada uma das mortes gerou um baque enorme, é claro, e trabalhar cada uma delas internamente não foi fácil, principalmente porque eu também estou há alguns anos nos antidepressivos.

Chá de Sumiço, então, poderia ter sido uma metralhadora giratória de gatilhos. Poderia, mas não foi. A mágica de Marian Keyes é justamente trazer a gente para uma reflexão acerca do assunto sem fazer com que ele se torne uma leitura pesada e dolorosa. Ao contrário: amei a abordagem desse livro, do início ao fim, e fiquei muito feliz com o desfecho.

Como não amar essa mulher?

Chá de Sumiço – apenas uma sinopse

Para quem já se familiarizou com as obras de Marian, temos em Chá de Sumiço mais um protagonismo da família Walsh. Dessa vez, o foco está em Helen, a caçula, aquela que sempre foi retratada nos livros anteriores como rebelde, espírito livre, lindíssima, um projeto de deusa.

Pois é. Vemos que ela não se sente assim, afinal, e tem questões muito fortes com a depressão, principalmente agora, que ela perde o apartamento para as dívidas – esse é o começo do livro.

Helen trabalha como detetive particular, mas está na crista da crise irlandesa e, por isso, nenhum trabalho aparece. Até que um ex, Jay Parker, ressurge das cinzas para contratá-la. A missão é encontrar Wayne Diffney, cantor que fez muito sucesso em uma boy band dos anos 90. A banda vai se apresentar na semana que vem, como um revival que pode render muito dinheiro aos integrantes (que também andam bem pobrinhos), mas Wayne simplesmente sumiu.

É nessa busca por uma antiga celebridade que Helen se vê cara a cara com seus medos, suas angústias e seus pensamentos suicidas. Querendo “entrar na cabeça” de Wayne, para descobrir onde ele está, ela também tenta buscar a si mesma. Será que dá tempo de encontrá-lo, e se encontrar, antes do grande show?

Algumas lições de vida

Como prometido no título, esse texto é pra falar sobre algumas coisas bem legais que li em Chá de Sumiço e quero levar para a vida. Eu marco livros, todo mundo sabe; mas, nesse, a experiência do rabisco foi diferente: foi só no final que eu reparei que marquei poucas passagens, todas frases pontuais.

Depois, tirei um tempo para refletir sobre cada uma delas. Aqui estão minhas considerações:

Resumo da ópera: será que alguma coisa é realmente importante?

Essa é uma pergunta que Helen faz a si mesma e que acho muito pertinente. O que é realmente importante? Será que essa “coisa” existe? Alguns de nós falarão que é a família, os amigos, a carreira, a conta bancária no azul, mas tudo isso é individualmente importante.

Se é individualmente importante – ou seja, se tudo o que é importante é importante só para uma pessoa -, nada é realmente importante.

Pensar nisso nos tira cada peso dos ombros! Pessoas ansiosas, como eu, deviam se perguntar isso todos os dias. Seria libertador. 

Sou preguiçosa e ilógica. Tenho habilidades limitadas para lidar com as pessoas. Geralmente fico entediada com facilidade e me irrito por coisas à toa. Mas tenho momentos de puro brilho. Vêm e vão, e não posso confiar neles, mas de vez em quando acontecem.

Quando li esse pedaço e pensei “me descreveu”, notei que, na realidade, muita gente está descrita aí. Em tempos de pandemia, lidar com pessoas, com o tédio e com a irritação tem sido um grande desafio. Talvez tudo isso já existisse na gente antes, mas alguns de nós só descobriram essas verdades agora.

chá de sumiço Marian Keyes

E, mesmo assim, mesmo com todos esses “desvios de caráter”, também temos momentos brilhantes. Não é o caso de confiar que eles vão durar para sempre, mas aproveitar a chance enquanto eles estão por aqui. 

Nunca se desculpe por seus momentos de brilho. 

Criticar o bolo preparado por alguém é mais ofensivo que comentar que o bebê desse alguém tem cara de assassino em série.

Às vezes a gente fala algo a alguém sob o manto de “é só minha opinião”, mesmo quando essa opinião não é solicitada. Há uma tendência em achar que toda crítica que direcionamos ao outro é construtiva; mas, boa parte das vezes, é apenas uma crítica.

Na internet isso fica ainda mais claro: é muito fácil deixar um comentário em uma foto sobre algo que pra gente não é nada, mas que pode machucar muito a pessoa do outro lado. O policiamento sobre as próprias opiniões é urgente! O mundo tá chato e às vezes foi justamente “só a minha opinião” que o deixou assim. Já pensou nisso?

(…) se fôssemos refletir sobre as coisas que podem dar errado em uma vida, nunca sairíamos de casa. Ou melhor: nos recusaríamos a sair da barriga da nossa mãe, para início de conversa!

Uma pessoa ansiosa leva anos – aaaaaanos – pra começar a compreender a grandeza dessa frase. Parece boba, mas não é. É difícil ter que lidar com a aleatoriedade da vida e a infinita possibilidade de erro que nos cerca.

Abraçar essa condição de que não existe controle sobre nada é mais uma forma libertadora de lidar com a ansiedade. Quanto mais entendemos, de fato, que se fôssemos pesar tudo o que pode dar ruim não sairíamos do útero, menos essa dúvida sobre o que será amanhã nos assombra.  

É preciso deixar que as pessoas cometam os próprios erros.

Autoexplicativo. Não adianta tentar dar lição de moral e segurar alguém pelas rédeas para que essa pessoa não seja inconveniente ou esteja errada. Cada um tem direito de acertar e errar pelos próprios méritos.

É como eu costumo dizer: há sempre um fundo de verdade em tudo que as pessoas dizem, mesmo que elas não saibam disso.

Quantas vezes já dissemos que “toda brincadeira tem um fundo de verdade” ou “a bebida entra, a verdade sai”? Na realidade, como Helen nos relembra nessa passagem, existe um quê de verdade em tudo que dizemos, mesmo que não estejamos 100% certos disso.

É por isso que temos que tomar cuidado com nossos julgamentos, críticas e até ironias, porque mesmo quando queremos mentir, estamos, de certa forma, dizendo a verdade. 

(…) quem sou eu para julgar alguém? Ele é como é. Todos nós somos do jeito que somos.

Fecho as lições de Chá de Sumiço com essa que, acredito, seja uma das coisas mais difíceis que um ser humano pode fazer: parar de julgar o outro. Parece que está na nossa natureza apontar o dedo e dizer onde as pessoas podem melhorar. 

Quando fazem isso com a gente, o tempo fecha; ninguém gosta de ser julgado, certo?

Em uma viagem que fiz a Amsterdã, em 2011, um guia turístico disse que a Holanda vive sob o seguinte preceito: se não estou machucando alguém, prejudicando alguém ou machucando/prejudicando a mim mesma, não tá errado.

Por que isso? Porque somos desse jeito aí – e, enquanto não ultrapassarmos limites e ferirmos os outros (ou até a gente mesmo), ninguém pode nos julgar.

Atente-se para a questão: machucar e prejudicar a outra pessoa, nesse caso, é cair na porrada, difamar, roubar, enganar, magoar, etc. Não é machucar o outro porque seu estilo de vida não é aceito por ele, ou vice-versa. Se as pessoas se ofendem simplesmente por você ser quem é, afaste-se dessas pessoas. 

Acho que é isso, gente! Mais uma leitura incrível de Marian terminada e eu tô doida pra já ler mais. Por mim ela lançava três livros por ano até o fim da vida. 

E você, já leu Chá de Sumiço? Tirou outras lições de vida do livro que valem a pena estar nessa lista? Me conte aí nos comentários ou lá no Insta do Literama!

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