Dica de leitura: A Amiga Genial

Por Viviane Fontes

Há por trás do nome Elena Ferrante um grande mistério. A autora se mantem anônima sob o pseudônimo e muitas especulações existem a seu respeito. Segundo reportagem do jornalista Claudio Gatti publicada na revista The New York Review of Books, Ferrante seria a tradutora Anita Raja, mulher do escritor Domenico Starnone. Outros acreditam que, na verdade, vários autores escrevem sob esse pseudônimo. Há quem diga até que um homem é o autor dos livros. Mas, diante de histórias envolventes e personagens incríveis, pouco importa quem seja Elena.

O primeiro livro que li da autora foi A filha perdida, depois Dias de abandono, e ambos me fazem crer – não que isso importe – que Elena, seja quem for, é uma mulher. Minha opinião se deve pela certeza de que apenas uma mulher conseguiria falar com tanta propriedade das aflições femininas através dos personagens de seus livros.

Foi em 2011 que, pela primeira vez, Ferrante chamou a atenção do público, com o lançamento do primeiro livro da tetralogia napolitana, A amiga genial. A trama narra a infância e adolescência pobre de duas meninas, Lenu e Lila, e a história tem início quando a narradora, Elena Greco, a Lenu, recebe uma ligação de Rino, filho da amiga Rafaella Cerullo, ou simplesmente Lila, informando o misterioso sumiço da mãe.

A partir daí Lenu narra com detalhes como essa estranha amizade nasceu. A vida das amigas que cresceram numa vizinhança conturbada, num bairro pobre de Nápoles, com muitas brigas e conflitos entre vizinhos, além a violência nas famílias – em especial, como destaca, por parte das mulheres. Um bairro carente, mas que, como em toda sociedade, apresenta vizinhos mais e menos prósperos. Alguns com destinos mais auspiciosos, mais corajosos para tentar a sorte. Outros miseráveis, não apenas materialmente, mas, sobretudo, espiritualmente.

Uma amizade construída com base em uma disputa, sob a ótica de Lenu, a fim de superar a amiga que não precisava fazer esforço algum para se destacar e cativar todos à sua volta. Lila também é retratada por Lenu como uma menina corajosa, atrevida, dona de si e às vezes má, que entende o que quer e sabe conquistar o que deseja desde os primeiros anos de vida. E mesmo quando, por qualquer que seja o motivo, não alcança o objetivo, assume uma postura indiferente e superior ao que acabara de perder.

Assim, parte para o próximo desafio.

Lenu, ao contrário, é uma menina inteligente, mas sempre fica em segundo lugar em qualquer situação em que é comparada a Lila. Ao mesmo tempo em que Lenu tem uma admiração pela amiga, há um sentimento de inveja. Lila é capaz de instigar Lenu a fazer coisas que, sozinha, não faria. E, quando esta não está por perto, a narradora tenta agir da mesma forma que a amiga agiria se estivesse no seu lugar.

Os sentimentos de Helena em relação a Rafaella são antagônicos. Se sente superior à amiga, mas, quando estão juntas, Lila sempre dá um jeito de fazê-la sentir-se inferior. Descrevendo as mudanças físicas e intelectuais delas e da vizinhança, Lenu nos apresenta questões sociais comuns nos anos de 1950, mas ainda vivas nos dias atuais, como o estudo como ferramenta para a emancipação feminina, a política e contra a violência.

Enquanto Lenu segue nos estudos depois de concluir o ensino fundamental, chegando ao liceu e conhecendo pessoas diferentes das quais convive no bairro, Lila se junta ao pai e ao irmão nos trabalhos na sapataria da família.

Mesmo atravessando os limites do bairro, Lenu continua se sentindo inferior à amiga e segue sua batalha para superá-la. Conhece pessoas diferentes na escola, tem acesso a livros e conhecimentos que os vizinhos de bairro não têm, mas não se sente parte daquele mundo.

Lila, por outro lado, se mostra autodidata. Pergunta à Lenu o que ela aprende nas aulas, vai à biblioteca do bairro e pega livros sobre os temas e estuda sozinha – chegando, inclusive, a ensinar a amiga, que tira proveito da inteligência de Lila para melhorar as notas na escola.

Mas Lila se interessa por outras coisa. Ela questiona tudo. Quer conhecer a história, ao contrário de todos à sua volta, que ignoram o que veio antes, como se renegar o passado tornasse suas vidas melhores. Irrequieta, ela quer saber sobre o fascismo, o neofascismo, a Democracia Cristã, a Resistência, a república, a monarquia, o comunismo.

Enquanto buscam o desenvolvimento intelectual, as mudanças nos corpos também despontam, passando de meninas a adolescentes que despertam a atenção dos rapazes. Nesse quesito, Lenu foi a primeira. Seu corpo se desenvolvia enquanto Lila continuava parecendo uma menina mirrada e, mesmo assim, os olhares e interesses eram todos voltados para ela.

Lila se resigna, trabalhando ao lado do irmão e do pai, e longe dos estudos, o principal caminho para sair do bairro e não ter o mesmo destino da mãe e das mulheres daquela época. Busca alternativas para conseguir mudar seu destino e conquistar o que deseja. Lenu tem mais sorte, com o apoio do pai e a insistência da professora que a orienta desde os primeiros anos de estudo.

É nesse cenário, no bairro carente de Nápoles, que Helena nos apresenta a Itália, devastada no pós-guerra, que tenta se reerguer. A amizade entre as duas garotas é o fio condutor dessa história que vai além da relação entre as amigas. São muitos personagens e situações que se desdobram ao longo das mais de 1.600 páginas dos quatro livros.

E, mais uma vez, Ferrante descreve, como apenas uma mulher pode fazê-lo, os conflitos de uma relação de amizade entre mulheres: cumplicidade, admiração, união e disputas, onde uma sempre quer se sobressair em relação à outra. Situações e sentimentos bem particulares do universo feminino.

Sobre a autora

Viviane Fontes é graduada em comunicação e pós graduada em comunicação organizacional. Apaixonada por cinema, curiosa e metida a interpretar o comportamento humano, lê com sensibilidade e escreve com paixão.

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