Dica de Leitura: O Guia do Mochileiro das Galáxias

Desde que li O Guia do Mochileiro das Galáxias pela primeira vez, em meados de 2017, não consigo esquecer como essa obra me fez sentir. Se você passa aqui com frequência já deve ter percebido que o trabalho de Douglas Adams mudou minha vida um pouquinho.

Fiz um artigo sobre a jornada do herói utilizando Arthur Dent como exemplo.

Falei sobre como a biografia do inglês, escrita por Jem Roberts (que descobri, mais tarde, ser um figurão tão interessante quanto o próprio Adams) mudou minha percepção sobre ele (para melhor).

Redigi um artigo científico sobre O Guia como alegoria do conceito literário de “contemporaneidade”.

Fiz uma tatuagem com o número 42 no braço.

São muitos os sinais de que, por aqui, O Guia do Mochileiro das Galáxias não passou desapercebido. Faltava só falar sobre o livro em si.

Não falta mais. 🙂

Nessa resenha sem spoilers posso te contar que O Guia do Mochileiro das Galáxias narra a história de Arthur Dent, um inglês de saco cheio das burocracias que está prestes a ter sua casa demolida por uma delas. O livro começa aí: com o protagonista deitado na lama, vestindo um roupão e protestando contra governos que querem construir rodovias justo na rota de onde as pessoas moram.

Mas Arthur Dent não passa o livro inteiro deitado no chão – apesar de que, conhecendo-o bem, ele não se importaria com isso. No meio de seu protesto recebe a visita do amigo Ford Prefect, que não estava só de passagem: ele tinha um recado muito importante a dar, algo a ver com o fim do mundo.

Ele só não contava com o fato de que, naquele momento, continuar com a casa era mais importante para Arthur Dent do que não existir mais planeta. Convenhamos: esse papinho de Terra explodindo não é algo que muitos de nós levariam a sério. Menos ainda os britânicos.

Com certo esforço Ford consegue tirar Arthur da lama e convencê-lo a pegar carona em uma nave espacial, de onde vê, com um misto de surpresa e desinteresse, o fim do planeta Terra. Ford Prefect é, evidentemente, um extraterrestre, e é isso que Arthur Dent se torna quando começa a vagar pelas galáxias em busca da resposta para o sentido da vida, do universo e tudo o mais e, ao mesmo tempo, em busca de resposta nenhuma.

Quais tipos de preocupação tem alguém que acabou de perder não só sua família, seus amigos, seus pertences, mas o planeta inteiro? Quais são as necessidades de redenção de um herói, ou anti-herói, que não conseguiria sequer voltar para casa depois de atingir seus objetivos? Qual é, afinal, o significado da vida, do universo e tudo o mais? (Não é porque o protagonista não tem intenção genuína de descobrir que a gente não possa se perguntar…)

O Guia do Mochileiro das Galáxias se divide em cinco volumes curtos – a famosa trilogia de cinco – e narra as aventuras de Arthur Dent e Ford Prefect pelo tempo e espaço. É “literatura de criança”, como muitos dizem, mas não há melhor época para lê-lo do que na idade adulta. A história versa sobre política, física, amor, amizade, burocracia e esportes esquisitos que os ingleses inventam, tudo isso através de um texto sarcástico, divertido e muito didático por parte de um gentil Douglas Adams.

Não à toa o Guia deu origem a vários totens da cultura pop, como o número 42, Marvin e o Dia da Toalha como firma do Dia do Orgulho Nerd (25 de maio). Poucas vezes – e falo isso sem nenhum exagero – ri e me diverti tanto com uma história quanto quando estava lendo sobre o Mochileiro das Galáxias.

Preste muita atenção nos sinais quando chegar a sua vez de lê-lo: de acordo com o meu ainda não publicado artigo científico ele contém pistas muito claras de que Douglas não só já sacava o que iria acontecer com a tecnologia e a inovação no século XXI como também fez uma leitura muito precisa da nossa sociedade, cultura e política. E de como estamos, inevitavelmente, caminhando para nosso fim.

Só espero que, quando chegar a hora, tenha alguma nave espacial disposta a nos dar aquela caroninha básica.

Ficha técnica

O Guia do Mochileiro das Galáxias

Nome original: Hitchhiker’s Guide to the Galaxy

Autor: Douglas Adams

Ano da primeira publicação: 1979

Editora no Brasil: Arqueiro

Se você gostar desse, leia também A Incrível e Espetacular Vida de Douglas Adams, por Jem Roberts.

Por dentro do livro (pode conter spoilers)

Minhas citações preferidas dos cinco volumes de O Guia do Mochileiro das Galáxias:

“Se um sujeito é capaz de rodar por toda a Galáxia, acampar, pedir carona, lutar contra terríveis obstáculos, dar a volta por cima e ainda assim saber onde está sua toalha, esse sujeito claramente merece respeito”. 

“Se os seres humanos não ficarem constantemente utilizando seus lábios, eles grudam e não abrem mais. (…) se eles não ficarem constantemente exercitando seus lábios, seus cérebros começam a funcionar”.

– Sabe, é em ocasiões como esta, em que estou preso numa câmara de descompressão de uma espaçonave vogon, com um sujeito de Betelgeuse, prestes a morrer asfixiado no espaço, que realmente lamento não ter escutado o que mamãe me dizia quando eu era garoto.

– Por que? O que ela dizia?

– Não sei. Eu nunca escutei”.

“A luz primal explodiu, espirrando pelo espaço-tempo como coalhada derramada. O tempo floresceu, a matéria encolheu. O maior número primo se acocorou quietinho num canto, para nunca mais ser descoberto”. 

“É um fato importante, e conhecido por todos, que as coisas nem sempre são o que parecem ser”. 

A ciência conseguiu algumas coisas fantásticas, não vou negar, mas acho mais importante estar feliz do que estar certo”.

“Essa história de idealismo, de dignidade da pesquisa pura, da busca pela verdade em todas as suas formas, está tudo muito bem, mas chega uma hora que você começa a desconfiar que, se existe uma verdade realmente verdadeira, é o fato de que toda a infinidade multidimensional do universo é, com certeza quase absoluta, governada por loucos varridos”. 

“O Guia é definitivo. A realidade está frequentemente incorreta”. 

Intimaram um poeta qualificado para declarar, sob juramento, que beleza é verdade, verdade é beleza, e esperaram assim provar que o verdadeiro culpado no caso era a própria Vida, por deixar de ser ao mesmo tempo bela e verdadeira”.

“Se algum dia eu me encontrar, vou me dar uma surra tão grande que nem vou saber o que foi que me aconteceu”. 

“Se a vida deve existir em um universo desse tamanho, uma coisa básica que não se pode entender é a dimensão das coisas”. 

“O principal problema – um dos principais problemas, pois são muitos -, um dos principais problemas de governar pessoas está em quem você escolhe para fazê-lo. Ou melhor, em quem consegue fazer com que as pessoas deixem que ele faça isso com elas.

Resumindo: é um fato bem conhecido que todos os que querem governar outras pessoas são, por isso mesmo, os menos indicados para isso. Resumindo o resumo: qualquer pessoa capaz de se tornar presidente não deveria, em hipótese alguma, ter permissão para exercer o cargo. Resumindo o resumo do resumo: as pessoas são um problema”. 

“Você tem muita certeza de seus fatos. Eu não confiaria nos pensamentos de um homem que acha que o Universo, se é que existe algum, é algo com o qual se pode contar”. 

O segredo para se manter saudável durante as viagens é comer junk food”.

“É muito importante ter coisas pelas quais esperar ansiosamente”. 

“O tempo é, por assim dizer, o pior lugar onde ficar perdido, como Arthur Dent havia descoberto. Ele já tinha se perdido várias vezes, tanto no tempo quanto no espaço. Pelo menos estar perdido no espaço mantém a pessoa ocupada”.

Não escolhi estar aqui, não quero me envolver, só quero quer tirem daqui e me levem para uma festa onde tenha pessoas como eu!”

“A tecnologia necessária para tornar algo invisível é tão infinitamente complexa que, em um bilhão de casos, é 999 bilhões, 999 milhões, 999 mil, 999 vezes mais simples e mais eficaz remover a coisa e esquecer o assunto”.

“Pouquíssimas coisas são fabricadas hoje em dia, já que, em um universo infinitamente grande – tal como, por exemplo, esse em que vivemos -, a maioria das coisas que se possa imaginar e muitas outras coisas, que no geral é preferível não imaginar, crescem em algum lugar”.

Há toda uma arte, ou melhor, um jeitinho para voar. O jeitinho consiste em aprender como se jogar no chão e errar. Encontre um belo dia e experimente”.

“O passado é agora exatamente como um país estrangeiro. Todos fazem as mesmas coisas do mesmo jeito”. 

“A história do Guia do Mochileiro das Galáxias é feita de idealismo, lutas, desespero, paixão, sucesso, fracasso e pausas para o almoço absurdamente longas”.

Boa noite. Boa sorte. Ganhe prêmios”.

“Tendo decidido que, assim como a discrição é a maior qualidade da valentia, da mesma forma que a covardia era a maior qualidade da discrição, resolveu esconder-se valentemente dentro de um armário”. 

“Torceu e rezou para que não houvesse vida após a morte. Então percebeu que havia uma contradição nisso e simplesmente torceu para que não houvesse vida após a morte. Ele ia se sentir extremamente envergonhado se tivesse que encontrar todo mundo”.

Na Relatividade, a matéria diz ao espaço como se curvar, e o espaço diz à matéria como se mover”.

“É comendo sanduíches em bares durante o almoço, aos sábados, que os ingleses procuram expiar sejam lá quais forem os seus pecados nacionais. Não sabem direito quais são esses pecados e nem querem saber, porque ninguém quer ficar sabendo muitos detalhes sobre seus pecados. Mas, sejam lá quais forem os tais pecados, são amplamente expiados pelos sanduíches que eles se obrigam a comer.

Se há algo ainda pior do que os sanduíches são as salsichas que ficam expostas ao lado deles. Tubos infelizes, cheios de cartilagens, boiando em um mar de algo quente e triste, atravessamos por um palitinho de plástico no formato do chapéu de um chef de cozinha – possivelmente uma homenagem póstuma a algum chef que detestava o mundo inteiro e que morreu, esquecido e solitário, entre os seus gatos numa escada dos fundos em Stepney. 

As salsichas são para aqueles que sabem muito bem quais são os seus pecados e querem expiar algo bem específico”.

“Se você pegasse dois David Bowies e colocasse um David Bowie em cima do outro, depois colocasse um David Bowie na extremidade de cada braço do David Bowie que estava por cima e daí cobrisse tudo com um roupão de praia sujo, você teria algo que não seria exatamente parecido com John Watson, mas aqueles que o conheciam na certa o julgariam assombrosamente familiar”.

“Não estou tentando provar nada, a propósito. Sou um cientista e sei muito bem o que pode ser chamado de prova. O motivo pelo qual desejo ser chamado pelo meu apelido de infância – Wonko, o São – é exatamente esse: me lembrar de que um cientista deve, acima de tudo, ser como uma criança. Se ele vê algo, deve dizer o que está vendo, independentemente daquilo ser o que ele imaginava ver ou não. Ver primeiro, testar depois. Mas sempre ver primeiro. Senão, você só vai ver o que espera ver. O outro motivo pelo qual gosto de ser chamado de Wonko, o São, é para que as pessoas pensem que eu sou bobo. Isso me permite dizer o que eu vejo quando eu vejo. Não dá para ser um cientista se você for ficar se preocupando se as pessoas vão ou não te achar bobo”. 

“Tudo o que acontece, acontece. Tudo o que, ao acontecer, faz com que outra coisa aconteça, faz com que outra coisa aconteça. Tudo o que, ao acontecer, faz com que ela mesma aconteça de novo, acontece de novo. Isso, contudo, não acontece necessariamente em ordem cronológica”. 

A história da Galáxia ficou meio confusa por vários motivos: em parte porque aqueles que tentavam acompanhá-la ficaram meio confusos, mas também porque coisas incrivelmente confusas aconteceram de fato”.

“Nada viaja mais rápido do que a velocidade da luz, com exceção talvez das más notícias, que obedecem a leis próprias e especiais”.

“Uma das coisas mais extraordinárias da vida é o tipo de lugares nos quais ela está preparada para sobreviver. Seja nos mares inebriantes de Santragino V, com peixes que parecem não dar a mínima para onde estejam nadando, nas tempestades de fogo em Frasta, onde, segundo dizem, a vida começa aos 40.000 graus, ou simplesmente entocada no intestino grosso de um rato pela mais pura diversão, a vida encontra uma maneira de ir levando as coisas em qualquer lugar.

Ela suporta viver até mesmo em Nova York, embora seja difícil entender o porquê”.

A última vez que fizeram uma pesquisa sobre as cem características mais marcantes dos nova-iorquinos, o bom senso foi parar em septuagésimo nono lugar”.

“Todos nós sabemos (a princípio) o que acontece quando Netuno está em Virgem e por aí vai, mas o que será que acontece quando Rupert está em ascendência? Será que a astrologia como um todo não teria de ser repensada? Quem sabe não fosse uma boa hora para admitir que aquilo tudo não passava de uma baboseira e se dedicar à criação de porcos, cujos princípios eram, ao menos, baseados em fundamentos racionais?”

“As chances de um neutrino atingir de fato alguma coisa enquanto viaja por esse imenso vazio são comparáveis às de jogar aleatoriamente uma bolinha de metal de um Boeing 747 em pleno voo e acertar, digamos, um sanduíche de ovo”.

Quando algo acontece em algum lugar em uma coisa tão complicada como o Universo, Kevin sabe muito bem onde tudo isso vai parar – leia-se como “Kevin” qualquer entidade aleatória que não sabe de nada”.

“Concluiu que tentar viver seguindo qualquer tipo de plano que pudesse ser arquitetado com antecedência era como tentar comprar ingredientes para uma receita no supermercado. Você pega um daqueles carrinhos que simplesmente não andam na direção que você quer e acaba comprando coisas completamente diferentes. O que fazer com tudo aquilo? O que fazer com a receita? Ela não tinha ideia”.

“Qualquer coisa que pense logicamente pode ser enganada por outra coisa que pense no mínimo tão logicamente quanto ela”.

Tudo o que você vê, ouve e vivencia de qualquer jeito que seja é específico para você. Você cria um universo ao percebê-lo, então tudo no universo que percebe é específico para você”.

“Só porque você consegue ver uma coisa não quer dizer que ela esteja lá. E que, se você não vê uma coisa, não significa que ela não esteja. Tudo se resume ao que seus sentidos fazem com que você note”. 

“Sabe, é em momentos como este que a gente se pergunta se vale a pena se preocupar com a tessitura do espaço-tempo e a integridade causal da matriz de probabilidade multidimensional e o potencial colapso de todas as formas de onda na Mistureba Generalizada de Todas as Coisas e essas outras histórias que vêm me perturbando. Talvez eu sinta que o grandalhão tem razão. A gente tem mais é que deixar fluir. Se estressar pra que? Deixa fluir”.

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