Éramos seis

Um clássico da literatura brasileira.

Éramos Seis, de Maria José Dupré, é um ensaio melancólico sobre a vida – e nos deixa a refletir sobre o que realmente vale os sacrifícios ao longo do caminho se, no fim, morremos sós. 

Se você assistiu às novelas baseadas em Éramos Seis, deixe-me dizer que, na televisão, a história de Lola não teve contornos tão dramáticos quanto sua narrativa em livro. Talvez a versão do SBT da década de 1990 tenha chegado bem perto, mas não o suficiente para nos deixar tão doloridos e genuinamente melancólicos como fez Maria José Dupré.

Li sua obra pela primeira vez quando tinha uns onze anos, no volume que era parte da Coleção Vagalume, comprado em um sebo em Juiz de Fora (MG). No ano passado, ganhei do Danilo a versão de 1956 da obra, com prefácio de Monteiro Lobato. Nela, a autora assina como Sra. Leandro Dupré, mostrando que a vida da mulher escritora no Brasil realmente nunca foi fácil.

O que conta Éramos Seis?

Em contornos gerais, trata-se da história de Lola e Júlio Lemos, um casal que mora na prestigiada Avenida Angélica, em São Paulo. Lola, vinda de Itapetininga, tem duas irmãs, Olga e Clotilde, que querem a visitar em breve. É mais ou menos aí que a história começa. Júlio se preocupa com a situação da família nessa visita, já que seus quatro filhos – Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel – e a empregada Durvalina já fazem inflar o apertado orçamento doméstico.

Éramos Seis pode quase ser lido como um livro de memórias de Dona Lola, mulher humilde e trabalhadora que se empenha em cuidar da casa e fazer uma renda extra com trabalhos manuais. Júlio trabalha como vendedor em uma loja de tecidos e tem problemas com a bebida. Não raro, desconta nos filhos e na esposa as frustrações de não ganhar tanto quanto gostaria.

O grande objetivo da vida de ambos, além de educar os filhos, é pagar o financiamento da casa da Avenida Angélica. Essa casa é muito importante na narrativa, não apenas como cenário, mas também como a personificação da luta operária brasileira por um lugar seu – o que chamamos, até os dias de hoje, de “sonho da casa própria”. 

A família Lemos é, de certo modo, uma alegoria da sociedade brasileira de classe média, que tenta ascender com honestidade e trabalho árduo e nem sempre vê recompensados os frutos de seu esforço. 

Éramos Seis é justamente o que o tempo do verbo quer dizer no título: Éramos. Ao longo das páginas Lola nos conta sobre a perda, literal ou figurativa, de cada membro da família, até terminar sozinha em uma casa de apoio. Entre sucessos visíveis e fracassos homéricos, os membros da família Lemos traçam destinos tão diferentes que nos aproximam amargamente dessa trajetória. Veremos em muitas linhas nosso próprio reflexo, seja como um retrato dos nossos antecessores, nas primeiras décadas do século passado, seja a partir de nossos próprios erros. 

O livro é bem escrito e despretensiosamente adequado à linguagem da classe média-baixa da época. A narrativa foge com sucesso da arrogância literária – ponto destacado por Monteiro Lobato no prefácio, que diz que muitos brasileiros escrevem palavras que nenhum brasileiro entende – e nos abraça em suas mais variadas melancolias.

Pra mim, a autora escreveu uma obra-prima da literatura nacional; simples, mas não simplória. Afetuosa. Honesta. Éramos Seis é um dos melhores livros escritos até hoje nesse país gigantesco, e fico muito feliz em saber que a Senhora Leandro Dupré é, e sempre foi, uma forte e respeitável Maria José.

O destino dos Lemos no livro (com spoilers)

Nas versões para TV, as produções tiveram contornos um pouco mais amigáveis ao doloroso destino literário da família Lemos. Nas palavras de Maria José Dupré, o desfecho dos seis foi o seguinte:

Dona Lola

Dona Lola cria os filhos, se envaidece e se envergonha no processo e termina a vida em uma casa de amparo a idosos, lembrando-se com saudade do filho Carlos, que morreu após a revolução constitucionalista de 1932. 

Júlio

Assim como nas versões das novelas, Júlio morre em decorrência de uma úlcera estomacal, causada por seus hábitos alimentares e excesso de bebida. Ele deixa a mulher e os quatro filhos.

Carlos

Carlos abandona o sonho de se tornar médico para ajudar na renda da casa após a morte do pai, e chega a participar da Guerra Paulista de 1932, o que enche a mãe de desespero. Ele chega a voltar do exército com vida, e continua morando com a mãe, mas morre pouco tempo depois de úlcera, mesma condição que vitimou seu pai. 

Alfredo

O incorrigível Alfredo é exatamente assim no livro, arrumando briga com todo mundo e cometendo pequenos furtos, mas sempre tratando a mãe como rainha. Ele lhe promete mundos e fundos, mas, em uma briga de bar, acaba matando um homem e começa a ser procurado pela polícia. Foge para os Estados Unidos com o objetivo de se livrar da cadeia.

Julinho

Julinho é o único que se faz na vida. É um ótimo vendedor e, casado com a filha do dono da loja onde o pai trabalhava – e onde ele mesmo passou a trabalhar após a morte de Júlio –, se muda para o Rio de Janeiro com o objetivo de ter sua própria loja. Com as responsabilidades e os filhos, quase não visita Dona Lola em São Paulo, já que, naquela época, “fazer a ponte” entre as cidades não era tão simples quanto agora.

Isabel

Isabel basicamente renega sua família para viver com um homem desquitado. Ela começa o namoro quando ele ainda está casado, o que envergonha sua mãe e enraivece seu irmão Carlos. Ao ser posta na parede, intimada a escolher entre os Lemos ou o homem, ela escolhe o homem – e se mantém fiel a ele até o fim, tendo pouquíssimo contato com a mãe e os irmãos.

Antes de sair…

… conta aqui pra mim se você já leu Éramos Seis e/ou já viu alguma das adaptações do livro em novela – e de qual gostou mais!

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