Minha história, de Cyndi Lauper

Mais um livro que rendeu mais uma tatuagem

Amo biografias. Uma coisa que ocorre com muita frequência é, ao lê-las, me enxergar nas páginas das histórias dos outros. Já aconteceu com você?

Por um lado, é legal pensar que aquelas figuras que te inspiram e fazem companhia pela vida afora se parecem tanto com você; normal, até. Afinal, essas pessoas foram, muitas vezes, referências de caráter. Portanto, também são parte de quem somos.

Mas, por outro lado, temos que encarar nas biografias a verdade inconveniente: não somos especiais. Nem eu, nem você, nem os ídolos. Não vivemos coisas inéditas. Sentimentos, ações, pensamentos… tudo isso já aconteceu antes, e antes, e antes, em vários níveis e diferentes experiências.

Bom, pelo menos não estamos sozinhos nesse barco de não-especiais, né? ;p

Por que essa introdução tão explicativa sobre minha relação com biografias?

Porque no caso de Cyndi Lauper, em seu Minha História, escrito com Jancee Dunn (e narrado em primeira pessoa), os dois lados da moeda esbofetearam minha cara sem dó nem piedade. Isso foi libertador.

A partir da narração em primeira pessoa, aprendi com Cyndi que, no fundo, somos inespecíficos e complexos, mas absolutamente nada especiais, embora capazes de cativar e melhorar (ou não) os cenários ao nosso redor. 

Como ela mesma diz, cada pessoa é um livro, e cada conversa que você tem – mesmo com as pessoas que você não conhece – é como a leitura de um capítulo.

Minha história, editado lindamente pela Belas Letras, é mais um desses livros que não consegui fechar e esquecer. Além disso, é claro que inspirou uma nova tatuagem.

Cyndi Lauper e eu

Salvas as devidas proporções, e com toda modéstia que ainda me deixa realista, ler Minha História, de Cyndi Lauper, foi como mergulhar em um pavilhão de espelhos. Às vezes, o que ela dizia é exatamente o que penso, sinto ou sou. 

Cada pequena loucura, cada estranheza ou sensação de não-pertencimento: eu me identifiquei.

Quando algo em seu relato não se encaixava na minha realidade, tinha a impressão de estar em um caleidoscópio. Assim, via o mundo de várias formas, e em várias outras cores (verdadeiras), que só a voz aguda de Cyndi, mesmo em palavras escritas, pode nos proporcionar. 

Me identifiquei muito.

Cynthia foi uma criança imaginativa e meio avoada – e é nesse ponto que já começo a achar que ela está fazendo uma descrição sobre a Laís. Logo no comecinho, ela diz:

“Em meu íntimo, nunca senti que me encaixava neste mundo. Sempre tive um pé onde eu estava e um pé em outro lugar. Costumavam dizer que eu era apenas uma sonhadora. Realmente sonhava, mas também costumava escrever muita poesia e desenhar tudo o que podia”.

Ando descobrindo, aos 33 anos e lá vai vida, que é assim que as pessoas sempre me enxergaram. E dei muitos motivos. Eu nunca estive aqui, no momento presente – sempre no futuro, sempre imaginando. Uma das formas que encontrei de estar aqui hoje, ou pelo menos tentar, é escrevendo. 

Um romance, um blog, tudo o que pode servir como válvula de escape para não me transportar ao futuro é uma âncora que não impede meu barco de imaginar e ser criativo; apenas impossibilita que eu flutue tão longe a ponto de me esquecer do que realmente importa.

Cyndi nos conta, várias vezes, que sempre gostou de ler. Essa era a maneira de se manter acordada e pensando o mundo de outras formas. Não à toa, desde cedo hasteou bandeiras que também moldaram meu caráter, como o feminismo, a liberdade e a tolerância.

Mas, de tudo o que ela diz em seu livro, o que mais me marcou – o que me fez pular da cadeira e dizer “ei, peraí, isso é meu” – foi o seguinte:

“Sempre me esforcei para viver em um mundo cuja língua eu não conseguia falar e não queria conhecer. Naquele mundo, tudo sobre mim estava errado”.

Há um ano faço terapia para lidar com a ansiedade e há um ano que todo o esforço que fiz para ser perfeita, não dar problemas, ser aceita, ser alguém que poderia servir de exemplo, estar no controle e querer coisas que, na realidade, eu não quero, se descortina. É pesado, porque a sensação é exatamente essa: eu me esforcei tantos anos para viver em um mundo que eu não só não entendia como, também, me leu errado.

Tudo que queria ao fechar a última página da autobiografia de Cyndi Lauper era ter seu número de telefone. Se tivesse, eu diria:

– Olá, senhora Cyndi! Tudo bem? Acabei de ler sua autobiografia e acho que somos iguais em 30% ou 40%. Nos outros 60% ou 70%, somos bem parecidas.

Um passeio pela história – e não só dela

Ler Minha História é ler a história de Cyndi Lauper, a minha própria história (#brinks) e a história da sociedade nos últimos anos. 

O recorte dela é norte-americano, por razões óbvias, mas não se distingue muito do que vivemos por aqui: soutiens queimados mandando recados, gays advogando pelo amor livre, mulheres sendo subestimadas no mundo artístico, abortos e mudanças de paradigma.

Cyndi fala abertamente sobre a rivalidade com Madonna, criada pela mídia, e expõe artistas que disseram coisas ruins sobre e para ela. Conta como foi taxada de ridícula enquanto se vestia a seu próprio estilo (algo com o qual também me identifico) pelas mesmas pessoas que, posteriormente, adotaram seus acessórios de moda.

“Você nunca vai ser cantora” também é algo que ela ouviu e do qual ela fala, bem como na transformação de Girls Just Want to Have Fun em hino feminista e True Colors em canção da resistência LGBTQ+. É uma exposição muito honesta da vida de um dos maiores ícones da música mundial. 

Cyndi Lauper nos liberta, com sua narrativa, das amarras da vida perfeita, dos relacionamentos irretocáveis e da necessidade de aprovação dos outros. Aliás, é uma história de altos e baixos e algumas bolas fora (“nunca tive filtros e não foi ficar famosa que me fez ter”, ela diz) que acabam inspirando o leitor a continuar a busca por sonhos que, aos olhos dos demais, não se realizarão. 

O livro, lindíssimo, chama-se Minha História – e a única reclamação que tenho acerca da obra é, justamente, em relação ao título. Essa história não é só dela. 

Concluo dizendo que, se Cyndi Lauper for a comandante desse navio em que me encontro (e, talvez, você também), que ainda não sabe para onde vai e não entende as águas onde navega, não há nada a temer.Nossas cores continuarão brilhando no horizonte e, com sorte, vão se tornar faróis para quem precisar de botes salva-vidas.

Quer continuar o papo?

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