Minha vida sem Tolkien

Um ensaio sobre literatura fantástica

Se estivesse vivo, J.R.R. Tolkien – ou John Ronald Reuel, para os íntimos – seria um fenômeno da natureza, com mais de 120 anos. O senhor de idade poderia não ser tão simpático, ou paciente, embora tivesse facilidade em fazer amigos.

Mas, certamente, seria uma máquina de inventar histórias, línguas e mundos.

Contudo, nem todos esses anos seriam o suficiente para a grandiosa imaginação de John. Sou uma fã.

Mas, só porque confio em você, vou fazer uma confissão pelo bem de nossa duradoura amizade: nunca consegui terminar um livro de Tolkien.

Não por falta de tentativa!

Tentei ler O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel em 2001 e não consegui passar da página 121. Talvez fosse nova demais para me engajar em uma aventura tão detalhista, ou incompetente, mesmo, sem a bagagem necessária à interpretação da narrativa e seus tantos personagens.

No entanto, essas cem primeiras páginas foram cruciais para mudar meu modo de consumir livros de fantasia.

Peguei SdA logo antes de ler o primeiro volume de Harry Potter e consegui enxergar Frodo, Sam e Gandalf bem antes de vê-los no cinema. Como resultado, assisti a todos os filmes já produzidos a partir das obras de Tolkien e me diverti com cada um deles.

Em primeiro lugar, jamais conseguiria assistir a Game of Thrones (que, ops, também não li), ou a qualquer outra adaptação de literatura fantástica, sem aquelas primeiras 121 páginas sobre um par de pés peludos tentando se responsabilizar por um anel.

Falar sobre o aniversário e a obra de J.R.R. Tolkien me traz um senso de urgência: é preciso retomar essa aventura. De onde estou sentada, consigo ver toda a coleção na prateleira, com O Silmarillion ainda dentro do plástico.

Será que, agora, já tenho idade, maturidade e aparato teórico suficiente para entender todos os personagens? Me parece que eles se entrelaçam em uma teia impossível de decifrar…

Ademais, acho que isso é o mínimo que se espera de alguém que, desde sempre, quis tatuar um cântico de Bilbo Bolseiro em alguma parte espaçosa do corpo.

Que vem depois?

Em algum lugar naquelas 121 páginas iniciais havia uma toada que fiz questão de decorar; primeiro, por me parecer muito pertinente. Segundo, por ser linda.

Ela diz:

Lá se vão 18 anos desde que esse pedacinho de literatura fantástica foi lido pela primeira vez. Entretanto, sempre que dedico alguns segundos para lê-lo com atenção, me emociono.

Mas tem um detalhe: está em português, e John Ronald Reuel foi educado na língua inglesa – e, certamente, não fez essas rimas na minha língua-mãe. Foi só em 2017, para falar da importância desse “poeminha” na minha vida, que me atentei para a existência de uma versão em inglês. #aloka

Descobri que o cântigo em questão tem várias “versões originais” (J.R.R. não era muito fã de obviedades): existe a de O Hobbit – que, cronologicamente, é uma história anterior às aventuras de Frodo – e a de Senhor dos Anéis. A de SdA é:

Bato palmas para o tradutor que fez com que a versão em português fosse crível, tocante e condizente com o que Tolkien fez. Porém, é inegável que os arrepios que a versão “100% J.R.R.” nos dá são tão intensos quanto a tradução que conseguimos.

A importância de Tolkien para a ficção fantástica

Em conclusão, a obra de Tolkien, mesmo sem ser lida, conseguiu moldar minha imaginação para que eu tivesse a capacidade de me comover com tudo aquilo que não existe.

Isso é imprescindível a um leitor de ficção, principalmente ficção fantástica. Ouso dizer que, sem ter tido o mínimo contato com o mundo criado por Tolkien, um leitor desse gênero jamais terá a experiência completa.

Não podemos nos esquecer que o mesmo homem que inventou os hobbits, contextualizou os elfos, deu poderes aos anões e dignificou os homens em busca de poder, fez uma língua inteira, com palavras, fonemas, significados e códigos que, hoje, milhares de pessoas se dedicam a estudar.

E, em linhas gerais, também sugeriu a boa parte do mundo conhecer a Nova Zelândia no século XXI. 😉

Calma que tem mais!

Stephen King, no livro Sobre a Escrita, discorre sobre a possibilidade de criar panos de fundo de ficção, uma dica valiosa para quem quer usar a imaginação para suprir os anseios imaginativos dos outros:

“Mesmo depois de mil páginas, não queremos deixar o mundo que o autor criou para nós, ou as pessoas verossímeis que vivem lá. (…) A trilogia de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, é um exemplo perfeito. Mil páginas de hobbits não foram suficientes para três gerações pós-Segunda Guerra Mundial de fãs de fantasia; mesmo quando incluímos aquele epílogo tosco e lerdo chamado O Silmarillion, ainda não é o suficiente. Daí vem Terry Brooks, Piers Anthony, Robert Jordan, os coelhos aventureiros de A Longa Jornada e centenas de outros. Os escritores desses livros criam hobbits porque ainda os amam e querem mais; estão tentando trazer Frodo e Sam de volta dos Portos Cinzentos porque Tolkien já não está aqui para fazer isso por eles”. (p. 120)

E é isso aí.

Se Tolkien estivesse vivo, seria um fenômeno da natureza, com 127 anos. Sua ausência nos torna responsáveis por continuar fazendo Frodo viajar, Bilbo escrever e Gollum nos irritar com charadas. Cada palavra que ele escreveu é um ponto de partida para todas as outras que podemos tecer, fazendo com que sua história continue a evoluir.

Nesse aniversário de John, declaro que preciso ir além das 121 páginas e descobrir se há algo mais para querer tatuar além do cântico de Bilbo.

Minha vida sem Tolkien, até aqui, foi ótima. Mas talvez, com ele, possa ser bem mais legal.

Antes de sair…

… se você acha que um espaço no blog é pouco para falarmos de Tolkien em toda sua magnitude, siga a gente no Instagram! Deixe um comentário se quiser mais textos sobre ficção fantástica.

(Talvez não serei eu a pessoa a escrever, mas prometo que, de alguma forma, o Literama vai matar sua vontade!)

Ah, e veja o filme biográfico Tolkien, é muito legal!

4 Comentários
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    Débora Diniz at 5 de janeiro de 2019 Responder

    O seu texto provavelmente sempre será o mais próximo que chegarei da obra de Tolkien. Essas coisas fantásticas demais não me prendem de jeito nenhum. Dei uma chance à Hobbit (filme) e fiquei do mesmo tamanho. Não sei se é um problema de compreensão do tema ou de gosto mesmo. Me questiono sempre. Thank you for writing.

    1. avatar image
      Lais Menini at 6 de janeiro de 2019 Responder

      Thank you for reading. 🙂
      Talvez seja gosto, timing… existem milhões de fatores. Quando você estiver disposta, te sugiro ver o primeiro filme de O Senhor dos Anéis. Se curtir, vê os outros. O primeiro filme é bem legal!

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    Daniel Carvalho at 25 de junho de 2020 Responder

    O trabalho de Tolkien é maior do que a gente imagina. Ele inventou uma língua (elfíca, com gráfia e fonemas).
    Inclusive, citado em seu texto, a boa tradução dos livros deve passar por um dicionário em que eles especificam as traduções corretas dos nomes para as línguas as quais o livro é traduzido.
    É grandioso e fantástico o universo dele se você conseguir imaginar tudo que ele teve que criar.
    Este nome está na história de todos que gostam de fantasia.
    Minha sugestão para você: Leia os livros, o SdA 1 realmente é mais parado, bem como o filme, mas os detalhes da literatura do Tolkien são f*.

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