O que é a jornada do herói?

Leia antes de chamar alguém de herói. Ou mito. ;p

Você já teve a sensação de ler a mesma história várias e várias vezes, mudando apenas os personagens, como se cada aventura seguisse um… padrão? Talvez essa impressão seja fundamentada por uma teoria chamada “jornada do herói”.

Quem a desenvolveu foi o antropólogo Joseph Campbell, que notou uma rota narrativa comum para diversos mitos – dentre eles Buda, Moisés e Jesus Cristo. Em seus estudos, Campbell levantou a hipótese de uma estrutura comum que se aplica, também, a histórias mais recentes. Para ele, a tal estrutura é composta por doze etapas.

A jornada do herói, também chamada monomito, é utilizada por escritores que querem organizar suas histórias – e o interessante é que o recurso nem sempre aparece de forma consciente. É como se estivéssemos tão acostumados a identificar o processo em tantas narrativas que, quando somos os escritores, há grandes chances de apenas o replicar.

Por isso, a conceituação de Campbell é creditada academicamente e ensinada nas aulas de roteiro, storytelling, cursos de escrita criativa e literatura em geral.

Além disso, a teoria não se aplica apenas à ficção. Até mesmo cientistas políticos e estudiosos de marketing se debruçam sobre ela para criar narrativas críveis sobre pessoas reais que precisam convencer pela sua própria trajetória.

Qualquer semelhança com as campanhas eleitorais não é mera coincidência.

Amigo é coisa pra se consultar antes de escrever histórias

Um fato curioso, que não pode passar batido (pelo menos pra mim!) é que Joseph Campbell, criador da estruturação da jornada do herói, tinha como um de seus amigos ninguém menos que George Lucas.

Para quem acaba de chegar ao planeta Terra – ou, simplesmente, não é tão nerd para conhecer a figura só de nome -, George Lucas é um grande contador de histórias. Sua obra mais famosa é a saga Star Wars.

Para essa narrativa épica – e extremamente lucrativa -, Lucas recorreu aos conhecimentos do amigo, que acabou exercendo enorme influência na aventura de Luke Skywalker.

Campbell sugeriu, por exemplo, que Obi-Wan Kenobi morresse (não é spoiler se já tem mais de 10 anos) para que seu papel de mentor do protagonista fizesse sentido na estrutura do herói.

Para entender a razão dessa frieza – #mateseusqueridinhos – é preciso analisar os passos da jornada do mito, ou do monomito. É dela que falaremos a seguir.

12 passos da jornada do herói

Se eu não fosse uma pessoa absolutamente cética, diria que o número 12 é cabalístico para quem pretende encontrar respostas para além dos fatos e das superfícies. Jesus teve doze apóstolos, os Alcoólicos Anônimos trabalham sua recuperação em doze passos e Joseph Campbell sustentou sua jornada do herói em doze estágios.

Coincidência? Me diga você.

Para Campbell, a construção da narrativa do herói leva em consideração:

(1) O mundo comum, onde o herói vive sua vida sem muitas novidades;

(2) O chamado da aventura, que é quando o problema ou desafio se apresenta oficialmente ao personagem;

(3) A recusa ao chamado, já que a vida está boa do jeito que está, e o herói não vê motivo forte o suficiente para se meter em um novo caminho;

(4) A ajuda sobrenatural, também chamada de encontro com o mentor, onde alguém ou algo de suma importância ao herói chama sua atenção para a urgência da decisão positiva;

(5) O cruzamento do primeiro portal, onde o herói abandona o mundo comum para se lançar no mundo especial (aventura) ou mágico;

(6) A barriga da baleia, que é quando o herói enfrenta os primeiros desafios e se vê frente a inimigos e aliados, aprendendo as regras da aventura ou do mundo em questão;

(7) A aproximação, quando o herói vence esse primeiro desafio;

(8) A provação traumática, que é o obstáculo ou crise de maior impacto na vida do herói dentro da história. Essa provação difícil pode ser questão de vida ou morte;

(9) A recompensa, que é o prêmio ganho por enfrentar a dura provação. Geralmente, vem através do vencimento dos medos e da descoberta de novas forças;

(10) O caminho de volta, que é o retorno do herói para seu mundo, sua vida normal;

(11) A ressurreição do herói, em um novo teste de enfrentamento da morte e de utilização de tudo o que foi aprendido na etapa da recompensa;

(12) O retorno com o elixir, que nada mais é do que o retorno definitivo com a recompensa, ferramenta que vai ajudar a todos no mundo em que o herói vivia antes de sair para sua aventura.

De acordo com Campbell, ao passar por todas essas etapas, quase que necessariamente nessa ordem, tem-se uma narrativa completa.

A Jornada do Herói na prática

O “segredo”, para os escritores, é descobrir qual é a melhor história a ser contada a partir dessa estrutura. Note-se: a partir. Não é necessário se ater religiosamente a ela, mas fato é que, sem jornada, dificilmente criaremos um herói ou heroína.

Muitas narrativas com as quais nos deparamos, da Bíblia a 50 Tons de Cinza, tem como estrutura a jornada do herói. Para checar se a obra que você lê (ou produz) se encaixa, pegue o conto, livro, roteiro, campanha em questão e destrinche-o por entre os estágios de Campbell.

Para ilustrar a tentativa, vou encaixar na jornada do herói meu próprio livro, Teoria do Amor, que narra a história de Alice, uma professora que é abandonada pelo marido um mês antes do casamento e precisa aprender urgentemente a lidar com esse fora.

Você pode ler gratuitamente a história aqui.

De acordo com Campbell, até Norman Bates é um “herói” – porque “herói” não é só o que conhecemos de Marvel e DC.

Mundo comum: Alice está em casa, curtindo fossa por ter sido abandonada e sem muita razão (e com muita vergonha) para sair desse lugar.

Chamado da aventura: temendo que ela esteja em problemas, sua mãe e uma amiga vão à sua casa para convencê-la de retomar a vida.

Recusa ao chamado: Alice diz que está muito bem, obrigada, e não vai lidar com isso agora.

Ajuda sobrenatural: Alguém cita quão triste é o fato de que a lua de mel foi cancelada, já que o sonho de Alice era conhecer Paris, destino escolhido pelos noivos. Essas palavras acendem nela uma ideia.

Cruzamento do primeiro portal: por impulso, ela decide que não vai deixar de conhecer Paris – Alice, que estava bem em seu isolamento, resolve viajar para sua lua de mel sozinha.

A partir daqui, a jornada do herói do livro vira spoiler pra quem não a conhece. Contudo, para quem já se familiarizou à estrutura, é fácil identificar os elementos que vão completá-la.

Vale lembrar que eu não não tinha essa estrutura decorada quando comecei a escrever a história. Aliás, eu nem conhecia a teoria, pra falar a verdade. Só com o estudo posterior é que percebi a jornada do herói aplicável às mais diversas histórias, sendo uma constante no universo literário.

Você consegue se lembrar de uma obra que seja facilmente destrinchada pelos doze passos do monomito? Se quiser fazer o exercício, vai se surpreender: a maior parte dos livros que você leu até hoje, ou dos filmes que viu, ou das séries que segue, são o looping da jornada do herói.

Entender esse conceito é imprescindível para escritores que querem falar a verdade em seus textos, mas também é útil para os leitores. Afinal, é sempre bom saber os passos de uma jornada completa – e as características de um “herói” de verdade – antes de sair chamando qualquer pessoa por aí de mito. 😉

Antes de sair…

… quer saber mais sobre escrita criativa? Dá uma olhadinha nesse almanaque eu eu preparei sobre escrita criativa e marketing de conteúdo.

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5 Comentários
  1. avatar image
    Karla Haydê at 30 de dezembro de 2019 Responder

    Olá, Laís…Além da obra clássica de Joseph Campbell gosto muito do autor James Mcsill, você conhece? Vale a leitura. Gostei muito da perspectiva que você deu no post, parabéns!

    1. avatar image
      Lais Menini at 2 de janeiro de 2020 Responder

      Ei, Karla! Ainda não conheço, acredita?
      Mas já vou procurar por aqui! Muito obrigada pela dica.

      Um abraço!

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