A herança literária de Carl Sagan

Ao finalizar a leitura de Contato, romance escrito pelo astrônomo Carl Sagan (1934-1996) em parceria com sua esposa, Ann Druyan (que produziu a série Cosmos, estrelada pelo físico), tive o seguinte pensamento: isso não é um livro, é uma herança literária.

Esse sentimento também me ocorreu quando terminei O mundo assombrado pelos demônios, a primeira obra de Sagan que tive o prazer de ler. Foi através dela que conclui ser impossível, para alguém que gosta de ciência e bons livros, passar por essa vida sem ler tudo que ele deixou para a humanidade.

É por isso que decidi não fazer um texto-resenha para cada livro dele, e sim compilar todas as dicas de leitura em um único textão (esse aqui, mesmo), porque Sagan merece uma redação à altura. Vou aproveitar esse espaço, também, para deixar as principais citações e curiosidades do autor, e as referências a ele das quais conheço, para que o dossiê Sagan do Literama não fique incompleto. ;p 

Para isso, preciso começar falando dele, como ser humano.

Quem foi – e continua sendo – Carl Sagan?

Carl Sagan é um sujeito interessante. Considerado um dos principais astrofísicos do mundo, se tornou popular justamente por “traduzir” os termos científicos para o público leigo, diminuindo a distância entre as pessoas comuns e as estrelas. E, mesmo tendo uma percepção fora do comum para os mistérios do cosmos, nunca deixou de se preocupar com as questões terrenas. 

É dele, por exemplo, a ideia de que, por mais que seja importante, o estudo das estrelas não é opcional para quem sente fome. Ao contrário de inúmeras frentes intelectuais, que pregam que a bagagem acadêmica deve ser priorizada, Sagan de fato acreditava que a ciência só poderia ser atraente a todo mundo se toda a humanidade não tivesse que se preocupar em colocar o pão na mesa. 

Esse ensinamento é eternizado por alguns pupilos de Sagan, como Neil deGrasse Tyson – que finaliza Astrofísica para Apressados justamente com essa reflexão –, e também pela herança literária do nosso amigo astrônomo. Em Contato, por exemplo, esse pensamento é colocado em um diálogo da protagonista, Ellie Arroway. 

E por falar nela…  

Contato (1985)

Contato é um livro lançado em 1985 e narra a história de Ellie Arroway, jovem física que, responsável pelo projeto Argus, rastreia movimentos estelares que possam indicar a existência de vida inteligente extraterrestre. Quando, finalmente, seus radiotransmissores captam sinais de Vega, estrela localizada a milhares de anos-luz do nosso planeta, ela tem que convencer o governo, a população e alguns líderes religiosos que o investimento nessa pesquisa é imprescindível para o desenvolvimento humano.

A tarefa não é fácil – principalmente porque o primeiro contato extraterrestre é feito a partir da transmissão de um momento extremamente impopular da história humana. Mas, quando enfim começam os projetos para a máquina capaz de levar os cientistas ao contato imediato com a vida extraterrestre, Ellie se vê trabalhando questões que, até então, não eram prioridade em sua vida.

NYC Hayden Planetarium mulheres cientistas

Uma delas é o relacionamento com a mãe, de quem nunca foi muito próxima. 

Confesso que passei algumas páginas sem entender bulhufas do que estava sendo dito, já que Sagan usa de muita matemática para que Ellie e outros personagens importantes validem seus pontos de vista. Contudo, em nenhum momento me senti desanimada pela dificuldade de entendimento, já que o preço a se pagar por algumas páginas tentando desvendar o que vem depois de 3,14 é muito baixo, se comparado à herança literária de Sagan que a obra traz.

Em primeiro lugar, temos o eterno debate entre ciência e religião, com uma conclusão bem interessante dentro desse cenário, pelo menos no ponto de vista de Sagan (o que já é muita coisa). E, por se tratar de uma obra de ficção, o romance – no sentido do amor romântico – e as relações interpessoais, que são temas caros às pessoas comuns, também têm sua parcela de participação na história.

Além disso, temos um vislumbre muito gráfico do que Carl Sagan imaginou ser uma possibilidade de contato entre a vida inteligente extraterrestre e os humanos. Ele mesmo deixa isso bem claro nas anotações ao final da obra, ao afirmar que espera que a ciência torne a narrativa obsoleta. Esse desejo não é pequeno, principalmente porque Sagan descreve com riqueza de detalhes (inclusive matemáticos) a construção de uma máquina de viagem interestelar e deixa para a imaginação do leitor a conclusão do contato final.

A dica para os leigos em física é contar com os insights de alguém que possa “traduzir” algumas passagens de vez em quando. Além disso, é preciso fazer algumas pesquisas próprias no decorrer da leitura, o que, para mim, é o suprassumo da experiência literária. Fechar um livro e saber bem mais do que aquele livro nos diz é um presente imenso e, com Carl Sagan, todo dia é Natal.

Ah, detalhe: quem assistiu a Interestelar (se você ainda não fez isso, não sei o que quer da vida) vai ver muitas semelhanças com a ficção de Sagan – e, certamente, não são meras coincidências.

Contato – Ficha técnica

Título original: Contact

Autor: Carl Sagan

Editora no Brasil: Guanabara / Companhia de Bolso

Preço na Amazon: R$26,19 (Melhor preço! Comprar na Amazon)

Preço no Submarino: R$29,12

Preço na Leitura: não encontrado em 16/02/20

O mundo assombrado pelos demônios (1995)

Nesse livro de não-ficção, Sagan traz artigos sobre as pseudociências criam inimigos imaginários – e que, claro, do tipo que as pessoas acreditam e temem. Estão na lista o misticismo, a astrologia, aparecimentos de ETs, as teorias conspiratórias e, claro, a religião (que, para mim, engloba tudo isso. Até os ETs). 

O que o escritor quer, nessa obra, é fazer com que os leitores reflitam antes de aceitar qualquer informação como verdade absoluta. Inclusive as científicas. Mas, para essas, damos um voto de confiança porque, em geral, a ciência aponta hipóteses que foram testadas e cujos resultados vão ao encontro do que se acredita ser o adequado, principalmente em relação às informações que temos hoje.

Mas, ao contrário de ideais religiosos ou místicos, não há dogmas na ciência. Nada é uma verdade absoluta e, por isso, confiar nela, e tomar a bendita vacina quando há uma chamada para ela, é uma saída mais eficaz para os muitos problemas do mundo.

Hayden Planetarium NYC peso na lua

Menção honrosa para o capítulo sobre astrologia, que desconstrói qualquer mísera ideia de que os signos de fato dão rumo à nossa vida. Desafio qualquer astrólogo a ler esse capítulo e ter argumentos que nos convençam de que Sagan está errado.

O mundo assombrado pelos demônios – Ficha Técnica

Título Original: The Demon-Haunted World

Autores: Carl Sagan e Ann Druyan

Editora no Brasil: Companhia de Bolso

Preço na Amazon: R$34,32 (Comprar na Amazon)

Preço no Submarino: R$34,32

Preço na Leitura: não encontrado em 16/02/2020

O pálido ponto azul de Carl Sagan em vídeo

Se você ainda não conhece Carl Sagan e, por isso, não quer se arriscar em uma leitura longa assim, de cara, tenho uma dica. Assista ao vídeo Pale Blue Dot, ou Pálido ponto azul, em tradução literal. Esse é um dos materiais mais famosos de Sagan e mostra como é incrível ouvir o que o astrônomo tem a dizer.

versão em português do vídeo é narrada pelo dublador Guilherme Briggs,  que dá voz ao personagem Buzz Lightyear, de Toy Story. Super adequado. 🙂

Existe também o livro Pálido ponto azul, mas ainda não tive a oportunidade de lê-lo. Calma; daqui a pouco ele estará resenhado aqui também, pois quero ler, sempre que possível, tudo o que Carl nos deixou.

Carl Sagan em outros trabalhos

O grande divulgador do conhecimento científico de Sagan na atualidade é seu pupilo, Neil deGrasse Tyson. O astrofísico americano teve a oportunidade de trabalhar com Carl na juventude e “herdou” a apresentação do programa Cosmos, que foi exibido pela Netflix. 

Ainda que não esteja mais no catálogo, outros shows que estão, como Black Hole – ApocalypseO universo e até o desenho para adultos Rick and Morty têm a impressão digital do físico. Não vou nem falar sobre The Big Bang Theory, que é chover no molhado.

música Sagan, da banda Nightwish, é sobre… Sagan. 🙂 De acordo com a Gabi, a física que me ajuda na edição de um projeto muito importante (falo dele a seguir), a parte instrumental da canção consegue traduzir a sensação de infinitude do universo. 

hayden planetarium NYC

Trazer a viagem no espaço, os mistérios do universo e a vida inteligente fora da Terra são temas, hoje, bem mais digeríveis – e tudo por causa dele. Se Carl Sagan não tivesse “facilitado” a transmissão do conhecimento científico através do discurso acadêmico sem proselitismo, talvez não estivéssemos nem perto de trazer a física para o deleite dos leigos. 

Mais que isso: Carl Sagan nos dá o aval para viver a física e, principalmente, a astrofísica, com o encanto das novas descobertas. Ele nos ensina, mesmo depois da morte, que a ciência não é exata, e essa é o maior presente que a existência pode nos dar.

Afinal, quando não há certeza, há muita esperança. 

Sou herdeira de Sagan. E você?

Como seguidora disciplinada de Sagan, eu uso cada oportunidade de encantamento com a ciência para contar minhas histórias. É por isso que, com orgulho, incluo meu livro, o romance Teoria do Amor, na lista de trabalhos que citam o astrofísico.

Quando li O mundo assombrado pelos demônios, logo nas primeiras páginas, me surpreendi – e identifiquei – com um período bem específico da narrativa. Carl fala que é tentador acreditar em outras vidas, principalmente quando nos dá saudade de alguém que já se foi. É muito confortante acreditar que essas pessoas estão vivendo em outro lugar, melhor do que aqui.

Mas que, justamente por ser um caminho mais fácil, talvez esse não seja o mais indicado. A saudade e a dor não podem ser os combustíveis para a crença em pseudociências que, muitas vezes, ludibriam o ser humano em seu ponto fraco.

Não é questão de ter fé, ou acreditar em uma religião, porque todos têm o direito de fazer isso; o que não está certo é utilizar a fé ou a religião para impor aos demais uma verdade absoluta, que pode não caber na rotina de outras pessoas.

Isso me marcou muito, principalmente porque, nos últimos anos, me desprendi dos preceitos religiosos que tomava como bússolas morais. Hoje, me considero uma figura agnóstica, sem nenhum apreço aparente por qualquer crença teísta. Ao passo que essa mudança é libertadora, ela também traz dúvida e dor, já que se tornar uma pessoa sem crença é, também, renunciar a todo o conforto que a religião nos traz.

Ver que um cientista como Sagan também se debatia com essas questões me deu força para seguir em frente. E é por isso que ele desempenha um papel crucial na narrativa da história de Alice. Quem já segue o livro no Wattpad sabe do que estou falando. 

Museu de História Natural e citações de Carl Sagan

Algumas das fotos que ilustram esse post são minhas, mesmo, tiradas dentro do planetário do Museu de História Natural, em Nova York. Chamado Hayden Planetarium, é gerenciado por Neil e recebe, de tempos em tempos, os episódios ao vivo do podcast Startalk.

Esse é um lugar onde quero voltar para passar bem mais tempo – e, se um dia o dólar baixar, fazer algumas comprinhas. A loja da NASA dentro do Planetário é irresistível! Além disso, as fotos dele à noite são incríveis, e eu fui de dia. ;p 

peso no cometa Halley

Impossível não se lembrar da obra de Sagan a cada minuto do passeio no planetário. Por isso, essa breve explicação abre a lista – infindável, mas eu tentei resumir – de citações de Carl Sagan que mais me marcaram.

Volte nesse post sempre que possível, pois certamente essa lista vai crescer ainda mais. 😉

Sobre ciência

“Meus pais não eram cientistas. Não sabiam quase nada sobre ciência. Mas, ao me apresentar simultaneamente ao ceticismo e à admiração, me ensinaram as duas formas de pensar, de tão difícil convivência, centrais para o método científico. Estavam a apenas um passo da pobreza. Mas quando anunciei que queria ser astrônomo, recebi apoio incondicional – mesmo que eles (como eu) só tivessem uma ideia muito rudimentar da profissão de astrônomo. Nunca sugeriram que, consideradas as circunstâncias, talvez fosse melhor eu ser médico ou advogado”.

“Meu interesse pela ciência foi mantido durante todos esses anos escolares pela leitura de livros e revistas sobre a realidade e a ficção científica”.

“É perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo, ou a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical, o crescimento exponencial da população. Os empregos e os salários dependem da ciência e da tecnologia”.

“A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos. Nesse aspecto, como em muitos outros, ela se parece com a democracia. A ciência, por si mesma, não pode defender linhas de ação humana, mas certamente pode iluminar as possíveis consequências de linhas alternativas de ação”.

“A ciência confere poder a qualquer um que se der ao trabalho de aprendê-la (embora muitos tenham sido sistematicamente impedidos de adquirir esse conhecimento)”.

“Com algumas exceções, o sigilo é profundamente incompatível com a democracia e com a ciência”.

“A credibilidade é consequência do método”.

Sobre espiritualidade

“A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza e a sutiliza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual. Como também são espirituais as nossas emoções diante da grande arte, música ou literatura, ou de atos de coragem altruísta exemplar como os de Mahatma Gandhi ou Martin Luther King. A noção de que a ciência e a espiritualidade são de alguma maneira mutuamente exclusivas presta um desserviço a ambas”.

Sobre ser cético

“Os relatos espúrios que enganam os ingênuos são acessíveis. As abordagens céticas são muito mais difíceis de encontrar. O ceticismo não vende bem. Uma pessoa inteligente e curiosa, que se baseie inteiramente na cultura popular para se informar sobre uma questão como Atlântida, tem uma probabilidade centenas ou milhares de vezes maior de encontrar uma fábula tratada de maneira acrítica em lugar de uma avaliação sóbria e equilibrada”.

“A ciência desperta um sentimento sublime de admiração. Mas a pseudociência também produz esse efeito. As divulgações escassas e malfeitas da ciência abandonam nichos ecológicos que a pseudociência preenche com rapidez. Se houvesse ampla compreensão de que os dados do conhecimento requerem evidência adequada antes de poder ser aceitos, não haveria espaço para a pseudociência. Mas na cultura popular prevalece uma espécie de Lei de Gresham, segundo a qual a ciência ruim expulsa a boa”.

“Podemos rezar pela vítima do cólera, ou podemos lhe dar quinhentos miligramas de tetracilina a cada doze horas. (…) Podemos tentar a quase inútil terapia psicanalítica pela fala com o paciente esquizofrênico ou podemos lhe dar trezentos a quinhentos miligramas de clazepina. Os tratamentos científicos são centenas ou milhares de vezes mais eficazes do que os alternativos. (…) Renunciar à ciência significa abandonar muito mais do que o ar-condicionado, o toca-discos CD, os secadores de cabelo e os carros velozes”.

“Existe uma razão para as pessoas ficarem nervosas a respeito da ciência e da tecnologia. E assim a imagem do cientista maluco assombra o nosso mundo – até nos médicos loucos dos programas infantis de TV nas manhãs de sábado e na pletora de barganhas faustianas na cultura popular, do próprio epônimo dr. Faustus ao Dr. FrankensteinDoutor Fantástico e Parque dos Dinossauros”.

“Se ansiamos por acreditar que as estrelas se levantam e se põem para nós, que somos a razão da existência do Universo, a ciência nos presta um desserviço esvaziando nossa presunção?”

“Somos bons em algumas coisas, mas não em tudo. A sabedoria está em compreender as nossas limitações. ‘Pois o homem é um ser leviano’, ensina William Shakespeare. É nesse ponto que entra o rigor cético e austero da ciência”.

“Nenhuma religião contemporânea e nenhum credo da Nova Era me parecem levar realmente em consideração a grandiosidade, a magnificência, a sutileza e a complexidade do Universo revelado pela ciência. O fato de que tão poucas descobertas da ciência moderna estejam prefiguradas nas Escrituras lança, a meu ver, ainda mais dúvida sobre a sua inspiração divina.

Mas é claro que posso estar errado”.

“A verdade pode ser enigmática e ir contra a intuição. Pode contradizer crenças profundamente arraigadas. Os experimentos são um modo de controlá-la”.

“A aceitação crédula da mentira talvez nos custe dinheiro; é o que P.T. Barnum apontou, ao afirmar: ‘Nasce um otário a cada minuto’. Mas pode ser muito mais perigoso que isso, e quando os governos e as sociedades perdem a capacidade de pensar criticamente os resultados podem ser catastróficos – por mais que deploremos aqueles que engoliram a mentira”.

“Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer evidência de logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou. É simplesmente doloroso demais admitir, mesmo para nós mesmos, que fomos enganados. Se deixamos que um charlatão tenha poder sobre nós, quase nunca conseguimos recuperar nossa independência. Por isso, os antigos logros tendem a persistir, enquanto surgem outros novos”.

Sobre os limites do ceticismo

“Ninguém pode ser inteiramente aberto a novas ideias ou completamente cético. Todos temos de traçar o limite em algum lugar*. Um antigo provérbio chinês aconselha: ‘melhor ser crédulo demais do que cético demais’, mas é um provérbio de uma sociedade extremamente conservadora, em que a estabilidade era muito mais valorizada do que a liberdade e os governantes tinham um forte interesse em não ser desafiados. Acredito que a maioria dos cientistas diria: ‘melhor ser cético demais do que crédulo demais’. Mas nenhuma das atitudes é fácil. O ceticismo responsável, esmerado e rigoroso requer um hábito de pensamento obstinado que só pode ser dominado com a prática e o treinamento. A credulidade – acho que nesse contexto seria melhor dizer ‘abertura’ ou ‘admiração’ – também não se adquire facilmente. Se estamos realmente abertos a ideias contrárias à intuição na física, na organização social e em outras áreas, devemos compreender essas ideias. Não adianta estar abertos a uma proposição que não compreendemos.

*Em alguns casos, o ceticismo seja simplesmente tolice, como, por exemplo, na alfabetização”.

Sobre as falhas do discurso científico

“A pseudociência fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência frequentemente deixa de satisfazer. Nutre as fantasias sobre poderes pessoais que não temos e desejamos ter (como aqueles atribuídos aos super-heróis das histórias de quadrinhos modernas e, no passado, aos deuses). Em algumas de suas manifestações, oferece satisfação para a fome espiritual, cura para as doenças, promessas de que a morte não é o fim. Renova nossa confiança na centralidade e importância cósmica do homem. Concede que estamos presos, ligados, ao Universo*.

*Embora eu ache difícil encontrar uma conexão cósmica mais profunda do que as descobertas espantosas da moderna astrofísica nuclear: à exceção do hidrogênio, todos os átomos que compõem cada um de nós – o ferro no sangue, o cálcio nos ossos, o carbono no cérebro – foram fabricados em estrelas vermelhas gigantes a milhares de anos-luz no espaço e a bilhões de anos no tempo. Somos feitos, como gosto de dizer, de matéria estelar”.

“O ceticismo não vende jornais. Redatores que abandonaram os tabloides descrevem as sessões ‘criativas’ em que redatores e editores inventam histórias e manchetes fictícias – quanto mais escandalosas, tanto melhor”.

“Talvez fosse útil que os cientistas listassem de vez em quando alguns de seus erros. Isso poderia ter o papel instrutivo de iluminar e desmistificar o processo da ciência, e de esclarecer os cientistas mais jovens. Até Johannes Kepler, Isaac newton, Charles Darwin, Gregor Mendel e Albert Einstein cometeram erros sérios. Mas o empreendimento científico providencia para que o trabalho de equipe prevaleça: o que um de nós, talvez até o mais brilhante, deixa de perceber, outro de nosso grupo, até muito menos famoso e capaz, pode detectar e retificar”.

“Sem dúvida, há necessidade de empregar o bom senso na questão da divulgação. É importante não mistificar, nem falar com ar de superioridade. Ao tentar estimular o interesse do público, os cientistas têm ido às vezes longe demais – por exemplo, ao tirar conclusões religiosas injustificadas. O astrônomo George Smoot descreveu sua descoberta de pequenas irregularidades na radiação de rádio que restou do Big Bang como ‘a visão da face de Deus’. O físico Leon Lederman, laureado com o Nobel, descreveu o bóson de Higgs, um tijolo hipotético de matéria, como ‘a partícula de Deus’, e deu esse título a um de seus livros. (Na minha opinião, são todos partículas de Deus.) Se o bóson de Higgs não existe, a hipótese de Deus é falsa?”

“Há evidências de que a programação científica pode ser bem-sucedida, e de que as pessoas estão querendo avidamente mais programas desse tipo. Eu ainda tenho esperança de que, mais cedo ou mais tarde, veremos a ciência verdadeira, apresentada de forma talentosa e atraente, como um ingrediente regular nas principais redes de televisão em todo o mundo”.

Sobre religião

“O teólogo Meric Casaubon argumentava – em seu livro de 1668, Of credulity and incredulity – que as bruxas devem existir porque, afinal de contas, todo mundo acreditava nelas. Qualquer coisa em que um grande número de pessoas acredita deve ser verdade”.

“É tão premente no povo a necessidade de acreditar em alguma coisa que a queda de qualquer sistema mitológico será muito provavelmente seguida pela introdução de algum outro modo de superstição”.

“É verdade que todas as crenças e todos os mitos merecem ser escutados com respeito. Não é verdade que todas as crenças populares sejam igualmente válidas – isto é, se não estivermos falando de uma perspectiva mental interior, mas da compreensão da realidade externa”.

“(…) o medo da morte, que favorece sob alguns aspectos a adaptação na luta evolutiva pela existência, prejudica a adaptação em tempos de guerra. As culturas que falam de uma futura vida de recompensas para os heróis – ou até para aqueles que apenas cumpriram as ordens das autoridades – podem levar vantagem na luta”.

“Todos nós acalentamos as nossas crenças. Em certo grau, elas definem o nosso eu. Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa – ou que, como Sócrates, faz perguntas embaraçosas em que não tínhamos pensado, ou demonstra que varremos para baixo do tapete pressupostos subjacentes de importância capital –, tal fato se torna muito mais do que uma busca do conhecimento. Nós o sentimos como um ataque pessoal”.

“Se temos absoluta certeza de que nossas crenças estão certas, e as dos outros erradas; de que somos motivados pelo bem, e os outros pelo mal; de que o Rei do Universo se dirige a nós, e não aos adeptos de credos muito diferentes; de que é pernicioso confrontar as doutrinas convencionais ou fazer perguntas desafiadoras; de que nossa principal tarefa é acreditar e obedecer – então a caça às bruxas vai voltar a acontecer em suas variações infinitas até os tempos do último homem. (…) Se não conseguimos compreender como funcionou na última rodada, não vamos reconhecê-la quando surgir na próxima”.

Sobre astrologia

“Muitas críticas válidas à astrologia podem ser formuladas em algumas frases: por exemplo, a sua aceitação da precessão dos equinócios ao anunciar uma ‘Era de Aquário’ e a sua rejeição de precessão dos equinócios ao traçar os horóscopos; o fato de negligenciar a refração atmosférica; a sua lista de objetos celestes supostamente significativos, que se limita sobretudo àqueles vistos a olho nu que eram reconhecidos de Ptolomeu no século II e ignora uma enorme variedade de novos objetos astronômicos descobertos desde então (onde está a astrologia dos asteroides próximos da Terra?); exigências inconsistentes de informações detalhadas sobre a hora do nascimento em relação à longitude e à latitude do lugar onde ocorreu; o fato de não conseguir passar no teste dos gêmeos idênticos; as grandes diferenças nos horóscopos traçados para os mesmos dados de nascimento por astrólogos diferentes; e a ausência de uma correlação comprovada entre os horóscopos e alguns testes psicológicos, como o Inventário da Personalidade Polifásica de Minessota”.

Sobre curiosidade

“Há perguntas ingênuas, perguntas enfadonhas, perguntas mal formuladas, perguntas propostas depois de uma inadequada autocrítica. Mas toda pergunta é um grito para compreender o mundo. Não existem perguntas imbecis”.

“A pesquisa básica é o campo em que os cientistas têm a liberdade de satisfazer a sua curiosidade e interrogar a Natureza, sem ter em vista nenhum objetivo prático de curto prazo, mas buscando o conhecimento pelo conhecimento. Eles têm, é claro, um interesse próprio na pesquisa básica. É o que gostam de fazer, em muitos casos é a razão de terem se tornado cientistas. Mas é do interesse da sociedade apoiar essa pesquisa. É assim que muitas vezes são feitas as grandes descobertas que beneficiam a humanidade. Se uns poucos projetos científicos grandiosos e ambiciosos são um investimento melhor do que um número maior de pequenos programas, é uma questão que vale a pena examinar”.

“Cortar a ciência fundamental, movida pela curiosidade, é cortar a semente do trigo. Talvez tenhamos um pouco mais para nos alimentar no próximo inverno, mas o que plantaremos para que nós e nossos filhos tenhamos o suficiente para atravessar os invernos futuros?”

Sobre literatura (científica ou não)

“Os livros mudaram tudo isso. Passíveis de serem adquiridos a um preço barato, eles nos possibilitam interrogar o passado com alto grau de precisão; estabelecer comunicação com a sabedoria de nossa espécie; compreender o ponto de vista de outros, e não apenas o dos que estão no poder; considerar – com os melhores professores – as ideias extraídas a duras penas da Natureza pelas maiores inteligências que já existiram em todo o planeta e em toda a nossa história. Permitem que pessoas há muito tempo mortas falem dentro de nossas cabeças. Os livros podem nos acompanhar por toda parte. Pacientes quando custamos a compreender, eles nos deixam rever as partes difíceis quantas vezes desejarmos, e jamais criticam nossos lapsos. Os livros são essenciais para compreender o mundo e participar de uma sociedade democrática”.

“(…) se crescemos num lar em que há livros, em que nos leem histórias, em que pais, irmãos, tias, tios e primos leem por prazer, aprendemos naturalmente a ler. Se ninguém perto de nós gosta de ler, onde está a prova de que vale a pena o esforço? Se a qualidade da educação a que temos acesso é inadequada, se não nos ensinam a pensar, mas só a repetir uma decoreba automática, se o conteúdo do que nos dão para ler provém de uma cultura quase alienígena, aprender a ler pode ser um caminho de pedras”. 

1 Comentários
  1. […] grata a pessoas como Neil DeGrasse Tyson, autor de Astrofísica para apressados, assim como sou a Carl Sagan, cujos livros ainda pretendo resenhar um por um por aqui, e Bill Nye, que tem um programa muito […]

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