Se a internet nos ensina algo, diariamente, é que a humanidade aprendeu muita coisa ao passar dos séculos, exceto a diferença entre inspiração e roubo. Não que não houvesse roubo intelectual antes da internet, claro, mas é que o computador parece delimitar as fronteiras de um mundo onde a terra e de ninguém, a ilha onde o plágio nunca cobra seu preço.
É claro que esse raciocínio não faz o menor sentido. Plágio é crime, ponto. O assunto pode soar delicado, mas é bem pragmático. Principalmente depois de ler Roube como um artista, fica bem claro a diferença entre se inspirar e utilizar as ferramentas disponibilizadas (inclusive pelos ídolos) para concluir seu próprio trabalho e, simplesmente, roubar a autoria de outra pessoa.
Em resumo, é mais ou menos isso aqui:
Em 2005, no segundo semestre da faculdade de Jornalismo, o professor passou o seguinte trabalho em grupo: construir um jornal de bairro usando as técnicas aprendidas até então.
Meu grupo era formado por quatro pessoas: eu, a Joaninha, a Florzinha e a Abelhinha.
Na véspera da entrega do trabalho, reunimos todo o material produzido por e-mail. Assim, ficaria mais fácil juntar e diagramar a redação. Pouco tempo depois do disparo da mensagem, Florzinha me liga em caráter de urgência, e confidencia:
– Laís, vamos ter que reescrever a parte da Joaninha no trabalho.
– Por que?
– Porque a dela foi toda copiada da revista X. Isso é plágio.
Apesar de já ter ouvido a palavra antes, essa foi a primeira vez em que entrei, diretamente, em contato com ela. Infelizmente, não seria a única.
Plágio é crime previsto no Código Penal Brasileiro
De lá pra cá, muita água já rolou debaixo de inúmeras pontes, e vi muita gente próxima a mim lidar com o inconveniente roubo de propriedade intelectual.
A realidade é que nem todo mundo se dá conta do óbvio: ao plagiar um texto, ilustração, fotografia, invenção, método ou o que quer que seja, sem pedir autorização ao dono do material, ou, no mínimo, lhe dar os créditos, está infringindo a lei.
Mais precisamente, quem assina o plágio está cometendo um crime, previsto na lei do Direito Autoral (artigo 184 do Código Penal).
Pegar o que não é seu e atribuir seu nome a isso é um atestado de incapacidade que dá cadeia. A pena para o artigo 184 pode ir de três meses a um ano de detenção.
Em outras palavras, se você é do time que brada que “bandido bom é bandido morto”, pode colocar no paredão de fuzilamento todos os coleguinhas que quiseram ser espertos e fazer passar por suas as ideias de outrem.
A punição do Estado, contudo, é o menor dos perigos do plágio. Na minha opinião, o real problema é não aprender nada com a oportunidade que lhe foi dada.
Minha mãe tem uma frase que diz: “você aprende pelo amor ou pela dor”, O plágio é uma forma de aprender pela dor.
Na história que começa esse artigo, a amiga que detectou o plágio, e reescreveu a matéria, tem uma boa carreira em comunicação. Joaninha jamais trabalhou com jornalismo.
Se você me perguntar, não acredito em coincidências.
Plágio versus desconhecer a fonte
Uma boa parcela de quem comete plágio acredita estar, na realidade, apenas “pegando emprestado” pensamentos de outros para compor seu produto final. Acontece muito no meio acadêmico – e é desse ambiente que saem as melhores anedotas sobre o assunto.
Aqui em Minas existe uma história que não consigo mais rastrear a veracidade; tantas pessoas me contaram a mesma versão que ela pode, muito bem, ser lenda urbana. Diz o seguinte: na apresentação de uma banca de aprovação, um dos membros pergunta ao aluno em quais materiais ele baseou o capítulo 3.
– Nenhum. Eu mesmo o escrevi -, ele disse.
– Não tem como você ter escrito -, respondeu o professor.
Indignado, o aluno se revoltou contra o acadêmico, levantando a hipótese de que ele o estava chamando de burro ou incapaz de desenvolver um raciocínio com aquela riqueza de detalhes e complexidade. Depois de terminar seu escândalo, o aluno, certo de seu argumento, ouviu do professor em questão:
– Não tem como você ter escrito esse capítulo porque eu o escrevi. Ele está no meu livro X, do ano X, que, inclusive, não consta da sua bibliografia.
Mortificado (acredito eu), o aluno precisou se resignar ao ser pego no pulo, em público, com a arma do crime em mãos.
A historinha ilustra uma das premissas do cumprimento das leis em nosso país: a ignorância não justifica a absolvição.
Por exemplo: se você levar uma multa por estacionar em local proibido, não será absolvido dela por dizer que desconhece (ou não reconhece como válida) a placa de “proibido estacionar” no local. Se matar alguém com veneno, não pode dizer que não sabia que é errado dar veneno para as pessoas.
Se copia e cola algo que não é seu, mas assina o material final, seja ele o texto, a fotografia, a ilustração ou qualquer outro trabalho intelectual, de arte ou não, como seu, não pode alegar em juízo que não sabia que aquilo era de outra pessoa.
Desconhecer a fonte é comum. Muita gente se lembra de uma frase sem saber quem a disse primeiro. Aliás, existe um filão de memes nesse sentido, atribuindo a celebridades frases toscas que elas jamais diriam (pelo menos em público). Estamos todos passíveis de errar nesse ponto, mesmo que existam formas de driblar a incerteza.
Uma delas é, simplesmente, jogar no Google. Pesquisar por
quem foi que disse ________________________________ (insira aqui o trecho)
é bem efetivo. Esse é um exemplo para texto, mas outras ferramentas do mesmo site também ajudam a rastrear a raiz de uma foto, imagem em vetor e outros elementos de produção intelectual.
Outra forma é deixar em aberto os créditos daquele trabalho e divulgar a autoria devida assim que o dono do trabalho se manifeste.
Vale lembrar que ambas as possibilidades são sugeridas ao uso de material intelectual para fins não-lucrativos. Ou seja, você não pode deixar os créditos em aberto, usar o material para fazer dinheiro em compensação própria ou de terceiros e alegar, posteriormente, ter deixado o pedido de autorização de uso em aberto por desconhecer o autor.
Mesmo porque, nesse caso, ultrapassamos o plágio: estamos falando de pirataria.
O plágio na literatura
O livro “Roube Como um Artista”, de Austin Kleon, encoraja artistas de diversas áreas a roubar referências para dar vida às próprias criações.
Contudo, como pretendo ter esclarecido até aqui, roubar inspiração de quem nos alimenta intelectualmente é bem diferente de plagiar suas obras. Para Kleon, “roubar” é o ato de se apossar de elementos pré-existentes para lapidá-los em busca de algo inédito.
Já o plágio é só plágio, mesmo. Alguns veem como ignorância, eu vejo como cara de pau.
A literatura é uma seara recheada de casos polêmicos, inclusive envolvendo escritores famosos que reclamam de outros escritores famosos por utilizar ideias alheias para livros próprios.
Uma das histórias me incomoda a nível pessoal e diz respeito ao filme As Aventuras de Pi, de 2012, baseado no livro Life of Pi. A obra foi escrita pelo canadense Yann Martel, ganhador do prêmio Booker de 2002.
À época, jornalistas contataram o escritor brasileiro Moacir Scliar, falecido em 2011, insinuando que o título vencedor se parecia muito com seu livro Max e os Felinos, de 1981.
Segundo o próprio Scliar, Martel disse que “quis aproveitar uma boa ideia estragada por um mau escritor brasileiro” – e, assim, escreveu Life of Pi. Martel, por sua vez, afirmou se inspirar no livro brasileiro através de uma crítica de jornal, e não da leitura da história. O autor gaúcho nunca quis processar o colega canadense.
Moacir Scliar teve seus motivos para não ir a fundo nessa questão, e acredito que um deles tenha a ver justamente com as ferramentas de inspiração de autores do mundo todo.
Primeiro, é muito difícil que uma ideia se materialize do nada para uma pessoa só. Como Austin Kleon afirma, todo trabalho artístico acaba sendo uma fanfic, já que lapidamos o que nos foi ensinado por quem nos inspira – e essas pessoas, por sua vez, também o fizeram.
Como exemplo, pego meu romance, Teoria do Amor, sobre uma mulher deixada pelo noivo um mês antes do casamento. Essa ideia não é exclusiva ou tem a minha patente. Milhares de escritores ao redor do mundo podem estar trabalhando, nesse momento, nessa ideia, sem me conhecer ou conhecer meu material.
Agora, imagine que eu te diga que meu romance é sobre uma professora de física que é abandonada pelo noivo um mês antes do casamento, decide viajar para se livrar do sapato que comprou especialmente para a data, e faz isso com duas amigas. Uma é advogada, a outra é economista e todos os personagens tem suas próprias características, desenvolvidas em 53 capítulos já disponibilizados na internet.
De repente, alguma editora lança, três anos após a divulgação independente do meu, um livro com a linha de raciocínio bem similar a essa, com o mesmo número de personagens nas mesmas características, com nomes diferentes. Eles tem a mesma riqueza de detalhes com um final um pouco diferente.
Opa! Tem coisa errada aí. O fio condutor, a ideia principal, é compartilhada; mas reescrever um romance inteirinho em palavras similares, anos depois da divulgação do original, é um prato cheio para a definição do plágio.
Segundo porque a cópia sempre será descarada. Em alguns casos, justamente por ter certeza de que nunca será pego, o plagiador nem se dá ao trabalho de modificar minimamente o material dos outros.
Você pode identificá-la tanto por estar escrita exatamente como a versão original ou por estar muito diferente da linguagem usual da pessoa que a reproduz.
No caso que contei ali em cima, a Florzinha só desconfiou da Joaninha porque o texto estava rebuscado demais para ser dela, que tinha um estilo próprio que se distanciava muito da forma da matéria enviada ao grupo.
Dicas para não cometer plágio
A primeira – e mais óbvia – é: não copie e cole dos outros para fingir que é seu. Só isso já vai te evitar muitos problemas.
As outras, que acredito servir tanto para estudantes quanto escritores, blogueiros, redatores, etc., são:
- Veja o material lido como fonte de pesquisa, e não como algo a ser reutilizado. Você tem a chance de beber dessa fonte para criar algo novo;
- Sempre que a ideia original soar melhor do que sua própria, não se esqueça de dar os créditos a quem a concebeu;
- Toda ideia que não é sua deve estar em seus textos entre aspas. Isso é muito importante, principalmente quando não há a intenção de plágio. Nem todos os leitores do seu produto final vão saber o que é seu e o que não é, portanto, é melhor situá-los.
- Em uma banca universitária, por exemplo, não existe a desculpa do “esqueci de colocar aspas”. Qualquer rastro de plágio pode servir como argumento para a cassação de diplomas;
- Ao fazer um trabalho ou texto, leve para o caderno ou computador seus valores pessoais. Se sentir que plagiar é errado, e que nenhum sucesso no mundo vale o peso na consciência, você está no caminho certo. Continue a seguir por ele;
- Acredito no erro honesto, no “plágio acidental”, aquele em que nos esquecemos de quem disse tal coisa que escrevemos no trabalho ou texto. Contudo, boas intenções não validam erros. Se você realmente não se lembra quem é o dono de um pensamento original, e jogar no Google não for o suficiente, deixe de lado a linha tortuosa de raciocínio;
- Reescrevê-la com suas palavras, criando um material inédito, também funciona.
Espero que essas dicas te ajudem e abram seu coração para a importância da não-violação de direitos autorais.
Só quem ralou para escrever, desenhar, roteirizar, pintar, editar, enfim, sabe o trabalho (físico, mental e emocional) que teve. Esse esforço deve ser respeitado e preservado. Além disso, tirar vantagem sobre o que outros fazem, além de ser desonesto, é um recibo de incompetência da parte de quem copia, para dizer o mínimo.
Se você não vê problemas nisso, torço para que tenha outros grandes problemas pela frente.
[…] o irmão, teve uma boa adolescência, entendeu cedo que gostava de escrever, aprendeu também cedo os perigos do plágio, se formou professor, se frustrou, testemunhou o suicídio de alunos que sofriam bullying, usou […]