Pivotando personalidades*

Sou cruzeirense.

Se você me conhece, já deve saber disso. Afinal, até o ano passado eu gastava boa parte do meu dia — e da minha energia — falando de futebol e, especificamente, de Cruzeiro. Também ia bastante ao estádio. Então, se você me conhece antes ou durante o boom do Twitter, em 2010, com certeza sabe que sou cruzeirense.

Mas, se está me conhecendo agora, vai ter um pouco de trabalho tentando descobrir pra que time eu torço (aliás, não mais, porque acabei de falar). Tenho fotos com camisa no Facebook e, de vez em quando, dou uma twittada sobre a situação geral do meu time, que desde 2013 é relativamente boa. Contudo, em uma reunião, ou uma rápida olhada nas minhas redes sociais, isso não está explícito.

A isso eu dou o nome de “esperteza digital”.

Houve um tempo em que eu usava as minhas próprias redes sociais para falar de tudo o que eu queria e sair dando pitaco em tudo o que eu queria, sem me preocupar com as consequências. Isso mais ou menos até, em 2012, eu e a Cínthia idealizarmos abrir nossa empresa. O foco era o mercado digital, aquele mesmo do qual eu sempre fui heavy user e onde falava tudo o que eu queria, sem papas na língua.

Vi que estava fazendo isso errado e decidi “pivotar” minha própria personalidade.

Todo mundo tem dois lados. O meu melhor é o esquerdo. ;p

Veja bem: estou em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais. Em Minas, três clubes de futebol rondam as paradas de sucesso: o América, o Atlético e o Cruzeiro. A chance de eu me deparar com um potencial cliente atleticano ou americano nas estradas da vida é de 33,3% para cada, se minha matemática não me engana (sou péssima nisso).

Se eu continuasse sendo a torcedora fanática que tem preguiça de outros clubes porque o meu time é isso e aquilo e aquilo outro, seria ~batata~ que, daqui pra frente, eu não conseguiria lidar corretamente com clientes-torcedores de outros clubes. Nem haveria a menor chance de eu conquistá-los pelo que vale a reunião, que é a minha capacidade de fazer comunicação. Afinal, se o cara me adiciona no Faceburguer e logo lê um #chupaoutrotime, ele não me contrata. #fato

Pivotar é preciso

No mundo das startups, “pivotar” significa mudar o rumo do seu negócio, principalmente quando o mercado em que você mira não é o melhor, ou quando você não consegue validar a sua hipótese porque ninguém está realmente interessado no produto que, você tinha certeza absoluta, mudaria o mundo.

Acontece, geralmente, em 6 de cada 10 empresas que adentram o mercado, principalmente o tecnológico. Pivotar é preciso — e é normal.

Pivotei minha própria personalidade, saindo do estigma de torcedora fanática do Cruzeiro para uma pessoa “normal” nas redes sociais, porque percebi a deixa que o mundo me deu: eu estava prestes a abrir uma empresa de comunicação digital. Em Belo Horizonte. Querendo ser cada vez mais reconhecida como profissional de marketing. Precisando gerar o sentimento de simpatia — e respeito — nas pessoas. Era assim que eu ganharia a vida. E, sendo sincera, ser torcedora de futebol nunca me deu um real a mais (inclusive, me tirou muitos).

Sei que tem gente boa por aí ganhando grana, seguidores e admiradores sendo tenaz torcedor, jogador ou qualquer outra coisa relacionada ao esporte. Às vezes, a opinião de alguém na rede vale mais do que a de quem tem pós-doutorado no assunto, e isso é normal no mundo digital. Todos estão de parabéns por isso. Mas, no meu caso específico, ser mais assertiva nas minhas opiniões futebolísticas não me faria ganhar dinheiro, prestígio ou reconhecimento por aquilo que realmente sei fazer.

A “Estratégia Taiti”

Pra caber nas redes sociais e mudar a percepção das pessoas sobre meu comportamento cibernético, vi a deixa perfeita em 2013, quando o Taiti participou da Copa das Confederações. Não ganhou nada e, ainda assim, foi eleita a seleção mais simpática da competição. Inspirada nela, criei meu #jeitotaiti de torcer, sendo cada vez mais simpática e lúcida nas redes sociais, principalmente com os rivais.

#jeitotaiti de torcer

Meu #jeitotaiti ficou ainda mais visível quando, tempos depois, o Atlético foi campeão da Libertadores e eu fui uma lady nas redes sociais. Finalmente tinha “evoluído” socialmente, certo? (PS: não pensem que eu não quis mudar de BH por isso, mas a sensação durou só cinco minutos porque, hey, eu me adaptei.)

Mas ainda faltava uma coisa: parar de focar meus principais assuntos online em polêmicas acerca de futebol.

De lá pra cá (estamos falando de 2013!), tento não falar mais do tema. Só me expresso quando não posso perder a brincadeira – saudável – ou quero suscitar alguma discussão mais profunda nas redes em relação ao esporte. Também compartilho cases bacanas, que merecem ser visto, como as diversas manifestações antirracismo, homofobia e machismo — coisas que ainda vemos aos montes nos estádios de futebol. E, na parte financeira, não gasto um centavo além do que posso com isso. Se eu tiver a grana pro ingresso, oba! Se eu não tiver, paciência, vamos esperar o próximo mês.

Meu Klout (finado site de conferir autoridade online pessoal) caiu, é claro, porque minha “audiência particular” queria que eu desse barraco sempre que necessário. No começo, doeu, mas depois eu percebi que essa não era a audiência da qual eu preciso… #pivotaaudiência

Há de ser tudo da lei

Veja bem: eu não deixei de ser cruzeirense. Aliás, fico muito feliz por meu time ter sido duas vezes seguidas campeão brasileiro e quero muito que seja campeão novamente, mas não direciono minha vida social digital só para esse caminho. É preciso inteligência emocional para entender que, às vezes, você tem que esconder alguns monstros dentro do armário quando está disposto a dar o seu melhor todos os dias.

Como diria Raul, “faça o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Mas se seu ideal é trabalhar com sua imagem na internet, tenha um pouquinho de cuidado — e muita inteligência emocional.

Hoje, me sinto idiota quando brigo com alguém por causa de futebol. Apesar de ter perdido muitos seguidores depois de cortar o futebol da listinha de prioridades, sou uma pessoa mais feliz e mais bem relacionada. Consegui, ao longo dos anos, filtrar as pessoas que me cercam. Será que elas também não estão precisando pivotar um pouquinho a personalidade?

(Isso também serve para outros tópicos que geram desavenças — às vezes bem desnecessárias — nas redes sociais. Política, por exemplo.)

A conclusão dessa história é que Darwin estava certíssimo: depois do que conquistei, e continuo conquistando, agora com a TWM, fica bem claro que sobrevive não o maior, nem o mais forte, e sim quem se adapta, principalmente no fantástico mundo das redes sociais.

*Texto escrito originalmente em 26 de fevereiro de 2015 para minha conta no Medium.

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