Literatura para uma pessoa cética

Se você aceita um conselho para começar 2019 com certa tranquilidade, aqui está: seja cético/a.

Você se considera uma pessoa cética?

No dicionário, a definição do termo é

“que não confia, duvida; descrente”.

Há quem não se sinta confortável em não confiar, em duvidar, em não crer. Eu encontro nesse adjetivo substantivo uma paz tão fácil que seria até embaraçoso procurá-la em outros lugares. Então, bato o pé e aconselho: seja uma pessoa cética.

Ao abraçar essa condição, nada nem ninguém poderá ditar o que você deve fazer. Os outros, as filosofias de vida, a ciência e as estrelas apenas darão sugestões. Quando você deixa claro, para si, que ninguém além de você pode moldar seu mundo, se liberta de algumas amarras.

Ceticismo não significa não ter esperança de que as coisas vão melhorar; é, simplesmente, a arte de duvidar de quem tenta definir como elas deveriam ser.

Uma vida cética, ao contrário do que muitos possam pensar, não é uma vida vazia. Ao contrário: é cheia de significados, cada qual mais real que o outro.

Eu sou cética, e tudo bem!

Meu ceticismo me permite fazer o melhor que posso, pois só tenho essa vida para tentar. Ele também me ajuda a aproveitar esse mundo, uma vez que não existe outro possível.

Posso olhar as estrelas apenas contemplando sua imensidão e imaginando o que existe e eu não conheço, ao invés de decretar que elas se movem para me dar meia dúzia de características e escrever meu destino em uma parede astral.

Acima de tudo, acredito que uma vida cética é uma vida mágica. Estranho? Eu explico: quando tiramos do caminho tudo aquilo que nos distrai de nós mesmos, ao buscar confiança, aprovação ou redenção em algo que parece mais certo do que aquilo que a gente sente, nos abrimos para o que pode realmente mudar nossa vida:

Encontrar uma pessoa interessante em um café.

Ler um livro que vai surpreender suas convicções.

Entender melhor o outro.

Parar de julgar as pessoas por detalhes.

Ser constantemente encantado/a pelo novo.

Manter amigos.

Manter amigos verdadeiros.

Olhar para o que realmente importa.

Dar importância para o que nós somos, e o que podemos ser.

Uma pessoa crente pode alcançar esses marcos mágicos e muito mais, mas tendo a achar que ela vai demorar um pouco mais para conseguir.

Porque, no percurso, vai ser levada a pensar que o destino a fez estar onde ela não gostaria, ou faz parte de um plano maior, divino ou escrito nas estrelas. Ou, pior: que o amor e a alegria não são interessantes se ela não experimentar uma boa dose prévia de sofrimento. Ela também pode achar que contas bancárias são mais interessantes que pessoas e que a internet ganhará da vida real em todos os embates.

O que isso tem a ver com sugestões de leitura?

Ser uma pessoa cética é não confiar, duvidar da relevância de algumas coisas – que são, na realidade, irrelevantes. E, mesmo descrente, viver. Com paixão e mágica, como toda boa vida deveria ser – ou não. Quem sou eu pra ditar?

Ser cético é não achar que existe uma recompensa para a dor ou para a privação, porque as experiências já são sua própria recompensa. Enquanto doemos, vivemos, enquanto choramos, vivemos, enquanto amamos, vivemos, e os dias passam. Quando morrermos, não vamos sentir nada disso, então melhor deixar arder agora.

Que tal? Te parece um bom conselho?

Se a resposta for “sim”, seja uma pessoa cética. Vista a carapuça dos sobreviventes. Começar não é fácil, já que muitas amarras nos atam a quem não somos. Mas não é impossível. Em algum lugar do caminho, o sentimento é libertador. Isso eu prometo, porque eu vi, vivi e estou aqui para contar a história.

O prelúdio contextualiza um pedido que recebi: fazer uma lista de sugestões de leitura. Escolhi títulos que vão trazer magia e paixão ao coração de quem quer olhar para a vida e dizê-la o que fazer, e não esperar pelo contrário.

Contudo, não tome essa lista de sugestões de leitura como obrigatória. Seja uma pessoa cética. Você vai aproveitar mais esse blog (e a vida) se não acreditar em tudo que lê por aí.

Leituras para céticos

Se já tiver lido algum deles, deixe suas impressões nos comentários.

O Mágico de Oz (L. F. Baum)

Escrito por um cara que adorava contar histórias para seus filhos, esse clássico deve ser lido tantas vezes quanto necessário não para o entendimento – é uma narrativa simples, chegando a ser simplória em alguns momentos –, mas para sua completa absorção.

O Mágico de Oz tem tantos ensinamentos bacanas que vale fazer um post só dele qualquer um desses dias, incluindo as citações mais legais (spoiler alert: “Não há lugar como o nosso lar” não é nem de perto a mais legal, apesar de ser bem legal).

Com ele, você vai aprender várias coisas, e uma das principais é que “há coisas piores na vida que ser um espantalho”.

Sua mágica cética: descobrir quem é “o” Mágico de Oz é libertador para quem realmente acredita que existe alguém, além da gente, capaz de nos tornar melhores. O livro te deixa livre para imaginar o que quiser sobre a aventura de Dorothy. Aconteceu mesmo? Foi um sonho? Só você tem a resposta.

O Dia do Curinga (Jostein Gaarder)

Existem livros sobre viagens, sobre famílias e existe O Dia do Curinga, que mostra a saga de Hans Thomas, em viagem com seu pai, para encontrar a mãe que o havia abandonado. Entre um vilarejo e outro, em um carro que atravessa a Europa, o menino começa a ver nas cartas de baralho a possibilidade de entender as escolhas de sua genitora.

Escrito pelo mesmo autor de O Mundo de Sofia, O Dia do Curinga é uma obra-prima da ficção fantástica e pode despertar alguns vícios, como o de colecionar baralhos (esse me pegou de jeito).

Se você tiver planos de ir à Europa, mais especificamente à Itália, mais especificamente à Veneza, mais especificamente à ilha de Murano, que fica em Veneza, que fica na Itália, que fica na Europa, a sugestão para levar esse livro é duplamente reforçada.

Sua mágica cética: o maior brilho de O Dia do Curinga é mostrar a vida como uma aventura diária, que deve ser aproveitada mesmo quando os ventos não sopram a favor. Afinal, não dependemos de nada mais do que nossa própria imaginação para tornarmos incríveis as histórias que protagonizamos.

Faça acontecer (Sheryl Sandberg)

Esse livro é desafiador e reconfortante para todas as mulheres que se enxergam como donas de suas carreiras. Desafiador porque ele joga na cara que o mundo ainda é dos homens. Reconfortante porque ele faz questão de deixar claro que a responsabilidade por mudar o jogo é nossa.

Sheryl é um fenômeno do Vale do Silício. Embora não tenha fundado nenhuma startup trilhardária, trabalhou em empresas que assumem esse título. Atualmente, é braço direito de Mark Zuckerberg no Facebook.

Sua mágica cética: o mundo não nasceu para te agradar e ninguém tem a obrigação de facilitar sua vida. Band-aid arrancado, é hora de se mexer para assumir o papel que quiser, na carreira dos seus sonhos, independentemente do patriarcado que terá que esmagar para chegar ao topo. Vai ser difícil, mas você consegue, porque é isso que as mulheres fazem: elas conseguem.

Melancia (Marian Keyes)

Se você vai seguir o Literama, acostume-se com o fato de que vai ter Marian Keyes em tudo que eu faço, falo e penso. Ela é a autora da minha vida. Caso não conheça a irlandesa, comece por Melancia, seu romance de estreia.

Nele, Claire Walsh, prestes a se tornar balzaquiana, dá à luz a primeira filha, quase ao mesmo tempo em que descobre um caso do marido e se vê obrigada a sair de Londres rumo a Dublin, onde sua família mora.

Com o corpo passando pelas mudanças do pós-parto, a autoestima lá embaixo, os hormônios à flor da pele e as definições de frustração amorosa atualizadas, Claire precisa entender como retomar sua rotina sem desgastar os laços familiares, que sempre ficam meio capengas depois que um adulto precisa voltar a morar na casa dos pais.

Sua mágica cética: em Melancia a gente aprende que o amor não é um pacote pronto de coisas incríveis, e que um casamento pode se desfazer a qualquer hora, por qualquer motivo, sem que a culpa seja de quem está sendo deixado para trás. Entre risos e lágrimas provocadas por essa narrativa, percebemos porque o amor romântico não pode, nunca, falar mais alto que o amor próprio.

A Revolução dos Bichos (George Orwell)

Desconfie de todo mundo que tem certeza de seu posicionamento político sem ter lido A Revolução dos Bichos. Para você, que em breve estará ateu por não aguentar mais ver deus acima de tudo, inclusive da geladeira, a narrativa de George Orwell vai se tornar uma nova bíblia – o que não tem por onde ser mais irônico.

Em tempos como o presente, A Revolução dos Bichos é leitura obrigatória e deveria estar na grade escolar. É claro que não vai estar, então corra atrás por conta própria. E, se tiver mais 30 ou 40 reais na carteira, adquira também 1984, outro romance de Orwell que poderia ser reeditado sob o título “2019”, de tão atual.

Sua mágica cética: essa leitura te deixará cético quanto às opiniões das pessoas que medem o mundo pela sua própria régua – o que é algo urgente. Se você ainda não conseguiu duvidar desse tipo de ser humano, não passe mais nem um dia sem ler George Orwell.

A Verdade sobre o caso Harry Quebert (Jöel Dicker)

Leio qualquer coisa, mas um bom suspense policial está na minha lista de prioridades. Se for um suspense policial que traz um escritor como protagonista, melhor ainda. Esse livro, que marcou a estreia de Jöel Dicker e, espero, tenha lhe rendido vários prêmios, nos presta o maravilhoso serviço.

Nele, Marcus, um escritor iniciante com bloqueios criativos, se vê obrigado a pedir mentoria a um veterano de grande sucesso. Só tem um porém: esse homem é acusado de matar uma adolescente em uma teia misteriosa de acontecimentos. Marcus, então, precisa escolher entre narrar uma belíssima trama ou inocentar o mentor, temendo que não dê para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Se você aceitar a sugestão de ler esse livro, sugiro que comece em uma sexta, pois possivelmente só o largará no domingo, e mesmo assim sob fortes protestos da sua curiosidade. Narrativa irretocável, que não deixa uma única ponta solta e ainda traz inúmeros insights sobre escrever um romance, ter bloqueios criativos e escolher entre a ética e o sucesso na hora de publicar os escritos.

Tomara que vire filme.

Sua mágica cética: os personagens desse livro não chegam nem perto de ser o que querem mostrar que são. Com a leitura você vai se sentir mais relaxado/a para não dar tanta importância a quem parece, mas só parece, mais importante que você, como o vizinho que tem um carrão, a musa fitness que te faz sentir culpa por comer o bolo ou o/a ex que seguiu a vida enquanto você ainda nem sabe cozinhar feijão. E, de quebra, você ainda se diverte lendo uma ficção impecável.

Um agradecimento!

Esse post de sugestões de leitura é dedicado à Beatriz Simas, que me pediu indicações. Se você quiser sugerir um tema ou pedir um bate-papo específico, mande mensagem no Insta ou pelo e-mail do Literama.

11 Comentários
  1. avatar image
    Flávia Tavares at 5 de janeiro de 2019 Responder

    Já quero ler Melancia! Estou com Garota Exemplar na metade e O Conta de Aia na fila.
    Adoraria um clube do livro. ❤️

    1. avatar image
      Lais Menini at 5 de janeiro de 2019 Responder

      Arrasou, já sei o que te dar de presente de aniversário esse ano! 🙂
      A Julis sua vizinha também anima Clube do Livro. Vamos fundar um?

  2. avatar image
    Marcos Lenine at 5 de janeiro de 2019 Responder

    Adorando seu projeto, Laís!!! Vou ler a do Joel Dicker! Adoro suspense policial!

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      Lais Menini at 5 de janeiro de 2019 Responder

      Obrigada, Lenine!
      Me fala o que achou do livro, esse é um dos meus preferidos do gênero! <3

  3. avatar image
    Paty at 5 de janeiro de 2019 Responder

    Ahhh Melancia!!! Acredita que comecei e não fui adiante? Eu era adolescente e já não me lembro que diabo aconteceu pra que eu não fosse até o fim… só sei que ele estava na moda, todo mundo comentando, e lá fui eu. Entrou pra lista (e pro desafio!) deste ano! Sobre o Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes: quero muito ler! E o meu coração deu aquela aquecida por ver Orwell na lista… sou fã até morrer hahah <3

    1. avatar image
      Lais Menini at 6 de janeiro de 2019 Responder

      Já comentaram comigo que não gostaram de Melancia… e eu desconfiei! Hahahaha mas sou bem suspeita pra falar, esse livro foi o que virou a chavinha da minha vontade real de escrever um romance. Tente novamente e me conte!

      O Histórias eu dei de presente pra minha sobrinha de sete anos, vou pedir emprestado. :p E George Orwells, bem… fico sem palavras para descrever o cara.

  4. avatar image
    Fernando Bellini Tasca at 5 de janeiro de 2019 Responder

    Adorei o texto a lista, tudo!! Estou em uma saga para ter mais o hábito bde ler livros. Ano passado já li muito mais do que no anterior. Esse ano com certeza vou incluir alguns desta lista!
    Não sou tão cético atualmente, mas já fui muito mais “believer”.

    1. avatar image
      Lais Menini at 6 de janeiro de 2019 Responder

      O importante é construir o conhecimento, ainda que seja para continuar acreditando! 😉

  5. avatar image
    Julis at 8 de janeiro de 2019 Responder

    Amando isso aqui, Lalá!!
    Melancia já baixei pro Kindle e começo a ler hoje mesmo. Da lista toda só conheço/li “A revolução dos bichos” e confesso que preciso ler novamente, os demais já estão na lista pra te acompanhar. Bora fazer esse clube do livro, super quero participar!

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