Um caderno na bolsa e uma ideia na cabeça

Ando sempre com um caderninho na bolsa. É um caderninho mesmo, tipo molesquine ou agenda. Com ele, um lápis, caneta ou estojo completo – nunca se sabe que tipo de ferramenta será necessário. Ele atende aos mais variados objetivos, como anotar um telefone, arrancar uma folha ou fazer um poema.

O caderninho na bolsa é meu computador analógico. Nele escrevo tudo o que preciso me lembrar depois, todo pensamento que não quero esquecer e qualquer inspiração que me comova enquanto ando pela cidade e vejo pessoas.

Sou romântica incorrigível, mas não do ideal do amor romântico. Esse, na verdade, nunca tive ou entendi. Meu romantismo se expressa quando eu sento em um ônibus, ou banco de praça, e começo a imaginar a vida, as angústias, as paixões, os medos e os problemas das pessoas que estão ao meu redor.

Se eu não souber quem é a figura para quem faço planos, tanto melhor. Um rosto que pede uma história é similar a uma tela em branco: sem nenhum sinal anterior, as narrativas se tornam cada vez mais interessantes.

Através de cada uma descubro sentimentos, revejo conceitos, aprecio convicções que nunca antes tinha sequer imaginado. Na maior parte das vezes, quando fecho o caderninho e o coloco dentro da bolsa, sou uma pessoa com algo a mais do que era antes de abri-lo. Isso me faz me sentir um pouco Alice, que dizia que “de manhã eu era uma pessoa, mas mudei muitas vezes desde então”.

O caderninho na bolsa opera esse tipo de milagre. Quando tenho oportunidade, sugiro a alguém que faça exatamente a mesma coisa. Afinal, você não precisa de um Tilibra 10 matérias para arquivar seus pensamentos; um bloquinho de nada já dá conta do recado. Não pesa, não incomoda e pode salvar seu dia.

E aí você me conta que existe bloco de notas no celular

Essa é a hora em que te falo que eu sei que ela existe e utilizo demais. Às vezes, mais do que o caderninho. Afinal, o celular é mais prático, as palavras já vão se formando antes mesmo que a gente termine de pensá-las, os escritos vão para a nuvem e geralmente não pesam nada na memória do telefone.

Tudo isso é ótimo. Mas, para mim, não basta.

Por mais ambientalista que seja, peço desculpa às árvores mas, por ora, ainda fico com o papel. Pegar uma caneta, ou lápis, e escrever letra por letra, sem que nada precise completar isso pra gente, é o que chega mais perto da minha definição de raciocínio completo.

Sem contar que, ao escrever com as próprias mãos, em um meio analógico, podemos analisar, depois, os sentimentos que tínhamos quando aquela nota foi escrita. Se minha anotação está fluida e bem legível, estava calma, sem pressa e levemente de bom humor enquanto escrevia. Se os garranchos são tão horríveis que mal consigo ler minhas próprias palavras, percebo outro estado de espírito quando aquilo foi dito.

Assim, uma única palavra – tipo “foda-se” – pode ter diversas interpretações pela letra, algo que o celular não me daria a possibilidade de compreender.

Além disso, quem nunca passou por uma situação em que precisava muito do aparelho e, de repente, não há mais bateria? Para quem gosta de escrever, isso não é só um inconveniente: é uma lástima. Ideias, palavras, frases, pensamentos correm o risco de se perder para sempre, se a gente não as registra logo que ocorrem.

“Vou deixar para escrever sobre isso quando chegar em casa” pode acabar virando o “nunca será escrito”. E se aquela fosse a introdução perfeita para um novo romance? E se fosse a resposta que você queria ter dado durante uma discussão, mas não pensou nela a tempo? E se fosse um número de telefone que salvaria sua vida daqui a cinco anos?

Para não perder a sanidade pensando nos “e se” que a falta de uma anotação pode causar, melhor andar com um caderninho na bolsa ou na mochila. É possível que, na maioria dos dias, você nem o utilize. Também é possível que o objeto fique até esquecido dentro de algum bolso. Não importa.

A necessidade de um caderninho dentro da bolsa não se explica pelas vezes em que você não o usou, mas pela hora exata em que precisou dele e o objeto estava em mãos.

Se você acompanha esse blog aos domingos sabe que ando colocando públicas minhas palavras a lápis que saem desses caderninhos. Contar para as pessoas o que escrevo neles nem é a melhor parte. Acho que a coisa mais incrível é pegar esses papeis, anos depois de tê-lo escritos, e se surpreender, positiva ou negativamente, sentindo asco ou saudade, com as coisas que um dia escreveu.

Caso seja ou queira ser um escritor, pense assim: a palavra que você escreve é viva no caderno que carrega, e pode servir para outras pessoas em alguma parte da trajetória. As do celular também tem seu valor, mas dependem da sua senha para serem descobertas caso você deixe esse mundo.

Por falar em deixar, lembre-se de fazer um backup dos caderninhos em outro caderno – esse, sim, um Tilibrão 10 matérias – ou no computador pessoal sempre que achar que deve. Bloquinhos, assim como telefones, podem ser roubados ou perdidos. Talvez a pior coisa que exista não é deixar de escrever a coisa mais legal do mundo porque não tem recursos, e sim saber que escreveu onde nunca mais poderá ler.

Resumindo, tenha cadernos por todos os lugares. Escreva a mão. Se dê o trabalho. A mágica é ainda maior quando você passa pelas páginas reais do seu próprio reino de palavras.

4 Comentários
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    ivana rowena at 10 de março de 2019 Responder

    Ah! as coincidências… que não são coincidências. Talvez, sincronicidade. Mas o ideal mesmo é viver o momento de serendipidade ou “eureka!” de Arquimedes, quando todas pesquisas realizadas, imagens copiladas, livros lidos, estudos variados, fazem sentido. A experiência é maravilhosa e pelas mesmas razões que vc expôs, também levo um caderninho na bolsa e uso cadernos Tilibra (sem pauta) há anos rsrsrs…. Só uso o celular para registrar diálogos entre estranhos que ouço na rua, no elevador, numa reunião, no ponto de ônibus, etc. Porque, o mais difícil para o escritor, principalmente para o roterista, é criar diálogos espontaneos.

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      Lais Menini at 10 de março de 2019 Responder

      Verdade! Se você um dia descobrir a cura para essa dor da escrita, você me conta?

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    Julis at 14 de março de 2019 Responder

    Não saio sem caderninho e o estojo contendo lápis, caneta e um marca texto, preciso anotar, preciso escrever, gosto de analisar o sentimento que aquilo me traz depois de anos escrito ali e também de entender o momento em que escrevi, bem como você exemplificou: a grafia das letras mostra o estado de espírito do momento da escrita.
    Inclusive, preciso dizer, que uma das primeiras anotações no atual caderninho é uma frase sua, tamanha a (boa) influência que sua escrita e linha de raciocínio traz.

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