Um trem chamado viagem*

Se você conhece Minas, sabe que o título desse texto tem a ver mais com Minas do que com transporte ferroviário. E, se você conhece Minas, sabe que esse estado brasileiro, com o maior número de cidades de toda a federação, é um convite à descoberta constante de novas coisas.

Confesso que, em Minas, conheço “de ir” apenas a minha região, aqui no cantinho do Campo das Vertentes, indo um tiquinho pra baixo e um tiquinho pra cima. Nem sempre para os lados. Nunca fui ao norte, ou ali perto de Goiás, onde a cultura mineira efervesce tanto quanto aqui. Mas são 853 municípios. Quantas vidas alguém levaria para conhecer todos?

Essa pergunta me martela, também, em relação ao resto do mundo. São 191 países (segundo a ONU) ao redor de 149 milhões de quilômetros quadrados (segundo o Google Maps). Quantas vidas são necessárias para conhecer tudo? Ou quantos dias?

Quantas coisas, nesse mundão, a gente ainda não conhece?

Essas questões sempre me fizeram refletir sobre a existência, física e filosófica, da minha pessoa. Sobre o que eu estou fazendo por aqui e onde posso fazer a diferença. Descobri, ainda criança, que gostaria muito de gastar o dinheiro que eu teria viajando. E, hoje, aos 28, tenho feito um bom trabalho ficando (financeiramente) pobre entre viagens.

Mesmo sem nenhum dinheiro no banco, mochilar é, desde 2009, uma das grandes paixões da minha vida.

Quando iniciei com a Paulinha o finado blog Querida Europa, em 2011, ele ia ser só um blog estilo diário de bordo da viagem que fizemos pelo Velho Continente. Daqueles que a gente alimenta enquanto está em viagem para que os familiares vejam que não fomos presas ao invadir a troca de guarda da Rainha da Inglaterra, ou que sabemos escolher formas nada ortodoxas de diversão em Amsterdam. Acabou que pouco pudemos postar em 35 dias de mochilão porque, bem, estávamos aproveitando a viagem.

Quatro anos depois da última viagem internacional, me preparei para a próxima, que não era na Europa. Posso dizer que fui ali, na casa do vizinho, fazer uma visita.

Sonhei que o mundo todo era de todo mundo

Em 2015, parti para uma jornada inesperada de dois meses no Chile. O convite para essa aventura foi surpreendente, bem ao estilo Bilbo Bolseiro saindo pra uma aventura. Eu realmente não esperava — e não me programei financeiramente para isso. Mas fui do mesmo jeito. Quando o universo te fala que você precisa ir a algum lugar, você não faz perguntas ou coloca obstáculos. Você simplesmente vai.

Esse pit stop no meu terceiro país sul-americano (também tô precisando fazer umas viagens por aqui) foi o primeiro passo para um objetivo maluco com o qual acordei em janeiro de 2015: ser mais do mundo que é meu, viajar mais e conhecer mais, desconstruir fronteiras geográficas com mais facilidade (e fazendo dinheiro para desconstruir as econômicas). Não sei de quantas vidas precisaria ter para ir em todos os milhões de quilômetros quadrados desse planeta, mas  quero percorrer o máximo de estradas possíveis durante os anos que restam.

Sou uma pessoa de 32 anos que conhece 25 cidades mineiras, dez estados brasileiros, sete países do mundo. Em janeiro do ano que vem eu coloco mais um país nessa lista. Mas privilégio, mesmo, seria se todo mundo pudesse desfrutar do mundo todo. O dinheiro acaba limando nossas possibilidades, o que é muito injusto.

Viagem não devia ser algo caro e, quem sabe, um dia isso muda. A terra em que a gente pisa é tão nossa que não faz sentido nenhum que apenas quem tem uns trocados no bolso possa tocá-la. Quem sabe um dia.

(PS: sou um ser humano que fala “trem” quando quer se referir a qualquer jeito de ir a qualquer lugar no mundo. Ou seja: pelo menos no dialeto aqui de casa, mesmo parada eu já estou indo.)

*Texto originalmente postado no meu finado blog Querida Europa e reproduzido, em 2015, na minha conta do Medium.

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