Decidi dar uma pausa na análise dos personagens esta semana para discutirmos o evento que muita gente aguarda: o lançamento do filme After. Após a agitada turnê de Anna Todd e dos dois protagonistas ao redor do mundo, é hora de olhar para dentro: estamos prestes a nos deparar com uma versão distinta da que criamos enquanto percorríamos as páginas do livro.
Afinal, no livro, a primeira imaginação é a de quem lê. Na mente de cada um de nós os personagens tem caras e trejeitos diferentes. Guiados pelo que a autora diz, claro, mas através do olhar subjetivo de cada pessoa. Por mais que Josephine Langford e Hero Fieness-tiffin já tenham ganhado a cara de Tessa e Hardin, os contornos de uma leitura é o leitor quem faz. E isso nenhum diretor de cinema poderá te tirar.
Vai ser inevitável sair da sala, após a sessão, fazendo comparações entre os personagens ali apresentados e os que você imaginou, na sua leitura, banhada pela sua história e seu imaginário. Vai haver distinção nem que seja dos locais onde foram gravadas as cenas para os lugares aos quais você viajou enquanto lia. Isso é natural e inevitável. O filme cumpre um papel – a começar o de ser um filme, e não um livro. O consumo das duas artes é diferente. Leitor e espectador não são a mesma coisa. A adaptação de um livro em filme causa incômodo porque é a exposição de uma mesma história sob diferentes pontos de vista. Cada um criou a sua e nós, leitores, criamos as nossas. O cinema trará uma nova versão disso, diferente da sua, diferente da minha.
No texto Quem são os leitores de After eu discuti sobre a impossibilidade do filme superar uma expectativa que cada um criou, mesmo se fôssemos nós mesmos os roteiristas. A visão do outro vai atravessar a nossa versão ideal. Acho válido recuperar a analogia de livro versus filme como eu versus o outro na vida real. Cria-se um ideal do “eu” que sempre será frustrado por um semelhante – que, por mais que se pareçam, sempre vão ser diferentes. Isso serve para Tessa e Hardin também. Há um imaginário que, o tempo inteiro, será estilhaçado por outro que é diferente, que pensa e se comporta de maneira distinta. Abrir mão de rejeitar o outro, que tem outro ponto de vista, pode ser uma bela experiência.
É uma chance interessante poder ver um filme sobre um livro que a gente gostou de ler. Isso dá relevância à obra e ainda cria a oportunidade de vermos os fatos contados de outra maneira, sem a nossa impressão. O cinema traz uma história. No livro, a gente é quem a cria. A representação do cinema dará forma para um imaginário criado a partir do eu de cada um, distinto e singular, mas que é como o real: nunca será alcançado. A representação nunca é igual ao ideal criado.
Assim acontece também com os relacionamentos. Vejam Tessa, que se frustra a cada instante por um real inalcançável com Hardin. E ainda bem. Se as metades das laranjas fossem iguais, não haveria surpresa, tampouco haveria prazer. Que graça teria um mundo padronizado pelos nossos ideais, sem furo, sem desejo e sem busca?
Portanto, abra o coração e a mente para ver uma versão bem diferente da que você imaginou, mas que nem por isso é pior nem melhor. Só é diferente. E você pode se surpreender e se divertir tanto quanto quando leu o livro. Dê uma chance à nova versão dos fatos. Talvez seja isso que nos impeça de conviver melhor, inclusive com quem tem opiniões diferentes.
Passa lá no After no Divã e me conta o que você espera do filme, sobre qual cena mais quer ver…
Conversaremos também depois do filme. Boa estreia para vocês!
Sobre a autora, Cinthia Demaria
Eu provavelmente tenho o dobro da idade da maioria das leitoras de Anna Todd. Sou jornalista por profissão há dez anos e psicóloga há quase três. No meu aniversário de 31 ganhei de um grupo de amigos psicanalistas o livro After. Sou pesquisadora da área de Psicanálise e Cultura Digital e desenvolvo trabalhos com adolescentes. Esta foi a desculpa que arranjaram para me presentear com Anna Todd ao invés de uma obra de Sigmund Freud ou Jacques Lacan. Ainda bem que fizeram isso.
Em um mês eu já tinha lido a série completa. E agora é só o Depois.
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