Dia desses sonhei que meu livro – que voltei a repostar do zero no Wattpad – ganhou uma versão cinematográfica estrelada pela Larissa Manoela. Se isso se concretizar, não fazer ideia de a quantas anda Larissa Manoela seria o menor de meus problemas; eu nem sabia que ela tinha crescido e só lembro da atriz como Maria Joaquina. Um grande obstáculo seria – ou será, vai saber – lidar com a intervenção dos produtores de um filme ou série baseada em livro no roteiro.
Porque, não se engane, isso existe.
Há sempre a necessidade de transformar o que é lido em algo ainda mais palatável para as câmeras, e a justificativa é bem simples. Quando um livro se transforma em série ou filme, os cenários e as pessoas que imaginamos para a narrativa ganham contornos reais, com locações e atores, e a versão na tela não chega nem perto das imagens que criamos enquanto líamos.
Se as produtoras vão arriscar tão alto quanto destruir nossa imaginação para compor a narrativa em “live action”, melhor mesmo fazer de uma forma que possa instigar os leitores originais da obra e, principalmente, ganhar dinheiro com isso. Um de nós está mentindo é o tema da reflexão hoje, mas, em linhas gerais, qualquer livro transformado em filme ou série vai se encaixar na descrição.
Livros em série ou filme: bons exemplos
Quem lê o livro de Karen M. McManus e assiste à série, disponível na Netflix, pode ter duas experiências distintas, e isso não é necessariamente ruim. Cito como exemplo a série The Killing, de 2011, que fez o caminho inverso: inspirou, a própria, o livro The Killing, que inteligentemente narrou um desfecho diferente do que tinha sido televisionado. Assim, quem lê o livro – que, inclusive, é excelente – consegue se divertir independentemente do que é contado na série.
Outro bom exemplo de adaptações diferentes que deram certo está na franquia The Walking Dead, que já parei de ver há tempos, mas, quando ainda via, me surpreendeu no quesito literário. Eu nunca vi os quadrinhos e já gostava demais da série quando comecei a ler os livros – escritos depois da série ir ao ar.
Neles, os acontecimentos em torno dos personagens foram ainda mais gráficos do que na TV, já que as produtoras audiovisuais têm de lidar com cortes de censura por idade, o que não ocorre em livros. E, para mim, a grande surpresa aconteceu em torno da figura do Governador – uma revelação que, literalmente, ocorre apenas na última página.
Dexter, por outro lado, é um livro que virou série, e me lembra muito o que ocorre em Um de nós está mentindo, que será explicado a seguir.
Em Dexter, escrito por Jeff Lindsay, vemos um psicopata que mata a partir de um código de ética próprio, mas que age e vive como tal. Ele não tem sentimentos, não apresenta nenhum tipo de afeição por ninguém e tudo o que sente ou faz é baseado unicamente na sua necessidade de criar uma persona que não levante suspeitas.
Já na série Dexter tem seus lapsos de afeição por outros personagens, até se arrepende de algumas coisas e sofre por perdas que não fariam nem cosquinha em seu muso inspirador. Por que? Simples: além do rolê todo da censura por idade, e de coisas que podem ou não passar em horário nobre, os produtores precisavam manter Dexter em um caminho sem obstáculos para inúmeras temporadas.
Tanto que até voltaram com a série recentemente e eu ainda estou decidindo se vou assistir. Os livros são excelentes, a série foi muito boa, o final deixou a desejar e, agora, com os novos episódios, entendemos que pode ter sido pura obra da ganância na indústria do entretenimento.E é aqui que entramos, de fato, nas discussões sobre Um de nós está mentindo, disponível na Netflix.
Um de nós está querendo muitas temporadas
A coisa toda começa quando vemos que a série tem apenas nove episódios. Ok, para um livro de 379 páginas, mas poucos episódios apontam para o único destino provável: correria narrativa.
Então, já sabemos que, em algum momento, o bom e velho deus ex machina vai entrar em ação e fazer seu papel, já que não há tempo o suficiente para desembolar todas as características de todos os personagens em aproximadamente 450 minutos.
Conforme os acontecimentos se desdobram, já começamos a ver uma intenção clara em diferenciar o livro da série. Afinal, se a audiência for boa, a série pode ter inúmeras temporadas. Já o livro, para nossa alegria, começa e termina em seu único volume.
Ao fim do último episódio, vemos que é exatamente isso que acontece: após um desfecho bem diferente do original, a trama fica em aberto, dando espaço para continuações. Errados eles não estão: como eu disse lá no princípio, se a produção vai arriscar destruir nosso imaginário, é bom que nos surpreenda. Nada contra fazer dinheiro com isso, se eles fizerem a coisa certa.
Cá entre nós, apesar de o livro ser muuuuuuuito melhor (que novidade!), a série diverte e, se tiver mais temporadas, eu vou assistir. Claro. Adoro um draminha adolescente – e, no caso da adaptação de Um de nós está mentindo, adorei a escolha do elenco.
Aliás, não é como se fosse de todo descabido dar continuidade à série, se o próprio livro ultrapassou o conceito de trilogia e tem quatro volumes (que ainda não li). A continuação imediata se chama Um de nós é o próximo e é seguida por Mortos não contam segredos e o infame título de Assim você me mata – e espero que não seja uma biografia de Michel Teló. ;p
Um de nós está mentindo: diferenças entre livro e série
Maratonei a série da Netflix em uma semana, exatamente enquanto lia o primeiro volume literário da saga do Clube dos Assassinos de Bayview. Minha ideia era ter ao mesmo tempo a experiência de leitura e como espectadora, ainda que eu tenha terminado o livro com dois capítulos de antecedência da série.
Não queria levar spoiler da TV…
Essa jornada me fez assistir, quase em “tempo real”, o que foi retirado ou incluído no roteiro para tornar a obra mais palatável ao público do streaming – e, quem sabe, render histórias paralelas que justificassem uma segunda temporada.
ZONA DE SPOILERS
As principais diferenças entre livro e série estão elencadas abaixo – e só leia, a partir daqui, se já tiver lido o livro ou visto a série, uma vez que o texto a seguir é puro suco de spoiler.
Entre por sua conta e risco e não diga que não avisei.
Um de nós se esqueceu de Ashton
Ainda que a maior perda do livro para a série seja Ashton, que não dá as caras nem como citação longínqua na versão da Netflix, sua ausência também corta a participação do advogado Eli na TV, já que, ao fim do livro, eles ficam juntos.
A série também não faz menção a Mikhail Powers Investiga, o programa de TV que define boa parte do destino do Clube dos Assassinos, principalmente quando Cooper é forçado a sair do armário. Como ele perde o interesse de várias instituições de ensino em seu baseball, provavelmente por ele ser gay, Mikhail fica pistola na TV – ele mesmo gay assumido – e transforma a conjuntura toda dos estudantes em um caso de perda de direitos civis.
Por outro lado, Evan, que só aparece no livro durante o epílogo, faz parte da série desde o primeiro momento, com sotaque britânico e muito interesse por Bronwyn Rojas, que o beija logo de cara. Ele ganha na TV um destaque enorme, o que acaba adiando o lance entre Nate Macauley e Bronwyn – que, por questões pessoais (e de facilidade de escrita), vou chamar a partir daqui de Brownie.
Outra pessoa que ganhou um destaque enorme na série, merecidamente, foi Maeve Rojas. No livro ela participa mais como a irmãzinha-hacker de Brownie, mas na série ela ganha contornos bem interessantes e instigantes. Isso me faz pensar, inclusive, se não é ela quem está por trás da mensagem de Simon no último minuto do último capítulo, que ameaça expor o Clube dos Assassinos pelo que fizeram a Jake.
Segue o baile.
Um de nós ama um romancinho
E esse cara sou eu.
O livro começa um pouco vago, apesar de ter a intenção de ir a 200 por hora logo de cara, mas o que me manteve alerta à história, em um primeiro momento, foi Brownie e Nate terem uma química muito específica na narrativa.
O casal de amigos demonstra claramente compartilhar uma tensão sexual latente que só fica mais interessante quando o marginal Nate dá à Brownie um telefone descartável para que eles mantenham uma conversa longe dos olhos (e de uma potencial quebra de sigilo telefônico) dos outros.
Na obra literária eles se falam o tempo todo e veem filmes de terror desde o início, o que só ocorre lá pelo terceiro episódio da série. Se contarmos que a adaptação tem só nove episódios, demorou um terço da narrativa para que eles começassem a desenvolver esse hábito que, ao fim do livro, é o que os une novamente.
Aliás, excelente toque da série ao colocar Don’t You (Forget about me) como trilha sonora do primeiro beijo de Nate e Brownie. A música é tema do filme Clube dos Cinco, cujas referências se assemelham muito à obra de McManus.
Enquanto isso, o livro também traz notas de romancinho entre TJ e Addy, já que ele é completamente apaixonado por ela – bem diferente de Jake, que, desde o início, a faz de marionete. Torcemos o livro inteiro por esse casal formado pelas circunstâncias, mas não rola, já que Addy descobre (ainda bem!) que é super fodona sozinha, mesmo.
No livro, é Ashton, a irmã que não aparece na série, que a auxilia nesses conflitos do coração, já que a mãe é super ausente na vida das duas.
Um de nós já sabia sobre Cooper
O segredo de Cooperstown só é revelado mais tarde no livro, ainda que muitas pistas indiquem que ele é gay. Quando a revelação acontece em páginas, meio que já sabemos do que se trata, já que, em uma conversa com a avó hospitalizada – que também foi retirada completamente da série – ela o encoraja a ser quem ele é e viver sua verdade.
Já na TV sabemos que Cooper é gay desde o episódio um – e seu irmão mais novo, Lucas, também sabe. E Keely, a namorada de fachada, também sabe. No livro, ela não só não sabe como fica arrasada quando eles terminam, e só o perdoa quando o segredo e a confissão vem à tona.
No livro, Kris é um estudante alemão, mas a adaptação para a TV de um casal gay e negro foi bem mais interessante. Ainda no livro, quem muda o segredo de Cooper – de gay para usuário de anabolizantes – é Jake, que não queria lidar com o escrutínio público de ter um melhor amigo homossexual. Na série, quem faz a troca é Janae, alegando não ser direito dela, ou de ninguém, forçar alguém a sair do armário.
Um de nós inventou um triângulo amoroso
Na série descobrimos que Janae é apaixonada por Maeve, que era apaixonada por Simon, que faz um rolo todo ao pegar Maeve e quase fazer Janae ter uma overdose por causa disso.
No livro, nada disso existe. Não há menção de que Janae seja lésbica ou que Maeve goste de Simon. Enquanto na TV a gravação da câmera de segurança mostra Brownie indo tirar satisfação com ele por ter nudes de Maeve (menor de idade), no livro ela o confronta por ter colocado no aplicativo algumas fotos de sua irmãzinha bêbada.
Um de nós mudou o final
E aqui está uma prova indiscutível de que, ao fazer uma adaptação de livro para série, é preciso abrir concessões para evitar um corte de censura muito alto (acima de 18 anos, por exemplo) para um material adolescente.
Vamos lá.
No livro, Simon é descrito como um desajustado que sempre quis pertencer às rodinhas dos populares mas nunca foi visto como digno para tal. Ele fazia parte de discussões macabras no Reddit e no 4Chan sobre genocídios em escolas, que é algo “comum” nos EUA.
Em todos eles, Simon criticou a falta de criatividade dos assassinos em sair abrindo fogo nas escolas para depois se matar. Ele pede que as pessoas fiquem mais originais quanto a isso – e ele mesmo resolve provar o ponto.
Em Um de nós está mentindo, Simon comete suicídio ao ingerir óleo de amendoim, e cria todo um cenário para que quatro de seus maiores desafetos sejam investigados por seu assassinato. Janae, a melhor amiga, sabe de tudo – e tem posse de uma carta de Simon que seria liberada um ano após toda essa confusão, confessando tudo.
Os protagonistas chegam à conclusão que, pelo olhar de Simon e seu desespero ao sucumbir à alergia ao amendoim, ele se arrependeu do plano quando já era tarde demais. Mas, depois das críticas a 13 Reasons Why como “série que dá ideias mirabolantes a suicidas”, a Netflix não ia comprar o rojão de novo. Como assassinato parece menos problemático que homicídio seguido por suicídio em escolas americanas, é por essa linha que a série vai.
Jake, no livro, tem várias justificativas para se colocar como potencial cúmplice de Simon – e as provas que o incriminam (e, eventualmente, livram a cara de Janae) são encontradas depois de um esforço enorme de Addy, a grande surpresa dos quatro protagonistas, que quase paga com a vida pela audácia de investigar e tirar Nate da prisão.
Por fim, Jake é apenas preso por obstrução de justiça ou coisa parecida.
Na série, ele morre com um tiro, na floresta, após fazer uma confissão bem descabida que poderia ter sido gravada pelo Clube dos Assassinos, de que foi ele quem desafiou Simon a beber o óleo de amendoim e sumiu com todas as injeções de adrenalina, o que configura intenção clara de que o “amigo” morresse.
Não sabemos quem deu o tiro ou o que foi feito do corpo, do carro, do telefone ou do Xbox que o incriminaria, mas sabemos, duas semanas depois, que aparentemente ele “fugiu para o México”. Está aí a ocultação de cadáver providencial para render à série uma nova temporada.
Não vamos comparar livro e série. Ou vamos?
A série foi corrida e, em determinado ponto, com o sumiço de Jake dos episódios, comecei a desconfiar que Vanessa é que seria a nova vilã da história, o que não aconteceu. Contudo, fica claro que Vanessa terá papel de destaque em uma eventual segunda temporada.
No livro eu sabia, desde o princípio, que era Simon que tinha armado tudo. Não achava que fosse suicídio, achava que ele estaria vivo em algum lugar, mas eu tinha essa sensação de que ele estava puxando as cordinhas do fantoche. Achei pertinente a saída do suicídio e, levando em consideração como as coisas acontecem nos EUA nesse sentido de escola e bullying, não podemos negar que Simon realmente saiu de cena de forma criativa.
Na série eu achei que Simon ia aparecer vivinho da Silva e me lasquei, pois isso não chegou nem perto de ser verdade. Contudo, também não esperava que Jake fosse morto – então acabei me surpreendendo duas vezes.
Ah, mas vale mais a pena ler o livro ou ver a série?
Na realidade, essa pergunta não cabe. As experiências são bem diferentes. Um de nós está mentindo é uma leitura que vai te pegar pela curiosidade e porque tem um ritmo excelente de narrativa. A título de curiosidade, já estou lendo outro romance policial que, apesar de muito incensado, começou bem chato e lento.
Prepare-se, apenas, para uma imersão completa em suspense adolescente com drama igualmente adolescente. Eu adoro, mas pode não ser seu estilo preferido de narrativa. A contracapa de Um de nós está mentindo traz a frase de um site especializado que diz que a história é “uma mistura viciante de Pretty Little Liars e Clube dos Cinco” – e essa é a melhor síntese, porque é isso aí. PLL com Clube dos Cinco, com todas as dores e delícias que cabem nessa comparação.
E aí, você já leu/viu Um de nós está mentindo? Deixe aqui nos comentários suas impressões sobre o livro e a série!
Queria saber quem é o “Saimon mandou”,estou muito curioso para saber,ou esse lance só tem na série?