Daisy Jones & The Six, o livro

Uma história de amor, música e vida real

Daisy Jones & The Six foi o segundo livro de Taylor Jenkins Reid que li, e o segundo que me fez questionar meu modo de escrever. Essa mulher é fora de série no quesito “eu não acredito que isso é uma ficção, porque é muito verdade”.

Assim como em Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, quase terminei a leitura buscando todos os personagens de Daisy & The Six no Google, só para me certificar, mesmo, de que eles não existem. Só não fiz isso porque a série inspirada no livro já estava no ar…

A capa da publicação no Brasil vem com uma frase da Reese Whiterspoon dizendo que leu Daisy Jones and The Six em apenas um dia, e eu também teria feito isso, se estivesse de férias. Mas, na impossibilidade de maratonar o livro – algo super possível, com a narrativa de Taylor J.R. –, concluí a leitura em uma semaninha, e já parti para a série na sequência.

Não é um dos meus livros preferidos no mundo, mas é um livro bom, muuuuuuito bom, excelente mesmo, e tem uma premissa muito simples e, por isso mesmo, cativante. A história é narrada em formato de entrevistas para uma espécie de documentário, o que já ajuda a acelerar o ritmo da leitura, e conta a história da banda The Six, liderada pelo vocalista Billy Dunne, e seu encontro meteórico com Daisy Jones, cantora e compositora em ascensão, na Los Angeles dos anos 1970.

Em um cenário musical e cheio de referências a outros personagens de ficção que vão nos lembrar dos roqueiros da vida real, Daisy e Billy precisam deixar as diferenças de lado (e são muitas, mesmo) para conseguirem levar a parceria ao topo das paradas.

Só que, para além das divergências criativas que se espera de uma banda com músicos incríveis e dois vocalistas que querem liderar a corrida pela composição e o estrelato, Daisy e Billy dividem o palco, mas vivem em mundos completamente diferentes. 

Taylor Jenkins Reid escreveu um romance em que os personagens principais andam em linhas paralelas, e a gente espera que, cedo ou tarde, essas linhas se cruzem – ainda que, pela lógica, isso seja impossível.

Se você ainda não leu Daisy Jones & The Six, pare a leitura por aqui. Leia o livro. Volte no máximo daqui a uma semana e siga em frente. Mas, se leu, continue comigo.

O mesmo início para inúmeros finais

Daisy Jones e Billy Dunne vem de histórias similares de abandono. 

No caso dele, seu pai sai de casa, quando ele e seu irmão Graham ainda são pequenos, e se muda de estado. Quando a banda já está formada, se apresentando em pequenos eventos como Dunne Brothers, Billy vê na plateia de uma recepção de casamento um homem bêbado dando em cima de uma garota muito mais nova, e reconhece aquele como sendo o próprio pai.

O homem tinha deixado a família para trás para continuar ali, nas redondezas, e não em outro estado, como fez com que Billy e Graham acreditassem. Essa constatação vira uma chave em Billy, que decide que vai ser líder da maior banda do mundo.

Daisy era a filha única de um casal rico e influente que não ligava muito para ela. Seus pais não tinham interesse algum no que Daisy fazia, o que fica bem claro quando, no final da adolescência, passando pela sua casa, seu pai a interpela na cozinha para perguntar algo sobre uma máquina de café e ela diz “pai, eu não moro mais aqui”. 

Seus pais não fazia a menor ideia de que Daisy estava seguindo a própria vida e, segundo o relato dela mesma durante as entrevistas, não parece que fizeram alguma objeção a esse acontecimento.

Conforme a narrativa se desenvolve, vemos Billy se transformar em um astro de rock dos anos setenta com toda pompa, circunstância, bebidas, drogas e putaria que a gente imagina que esse cenário proporcionava. Ele se apaixona por Camila, com quem se casa, mas fica histérico quando descobre que ela está grávida.

Billy tinha receio de ser como o próprio pai e deixar sua filha na mão, e isso o faz afundar de vez nas partes ruins da fama. Estava sempre bêbado, sempre chapado e se recusou a ir conhecer a filha no hospital, indo direto para uma clínica de reabilitação. 

Além de tudo o que acontece no livro, vamos acompanhar até o final o esforço de Billy Dunne para se manter sóbrio, mesmo sendo líder de uma das bandas de maior sucesso do mundo na época. 

Por outro lado, Daisy não tem uma família a quem “transferir” a obsessão causada pelos vícios e, enquanto Billy se mantém longe da bebida e das drogas, Daisy se entrega a elas com toda sua energia. 

Ela é retratada no livro como uma das mulheres mais lindas do mundo, das mais rebeldes, daquelas que andava sem sutiã pra lá e pra cá em uma época em que o código de vestimenta não permitia essa liberdade às mulheres, e que estava sempre com roupas minúsculas, inclusive nos estúdios de gravação gelados, porque seu organismo estava termicamente blindado pelas drogas.

Eventualmente ela se apaixona por um homem aleatório, que diz ser um príncipe italiano, se casa e se afunda ainda mais nos vícios, porque este homem, Niccolo, desperta nela sua pior faceta. Ela tem certeza absoluta de que ninguém no mundo se importa com ela, apesar de ter a amizade de Simone, que a acolhe no final da adolescência em sua própria casa e segue com ela até o final, tentando trazê-la de volta à realidade quando as coisas estão fugindo do controle.

O que, no caso de Daisy Jones, é sempre.

Então, pelas páginas, temos duas pessoas com marcas de abandono e vícios que estão indo para lados completamente opostos. Um deles quer se apegar à família para manter a sobriedade, a outra acha a maior caretice escrever canções para a esposa e não abre mão de seus comprimidinhos mágicos.

E, no meio desse trelelê todo, tem a banda…

Os The Six são Billy e Graham Dunne, Eddie e Pete Loving, Warren Rhodes e Karen Sirko. Cada um tem sua própria história, complexa na essência.

Graham Dunne é o irmão mais novo de Billy, apaixonado por Karen, a tecladista. Eles desenvolvem uma das histórias de amor paralelas da história, e é uma história de amor bem palpável, com a clareza de que, enquanto um está completamente envolvido na relação, o outro não quer algo sério. 

Eddie e Pete Loving são irmãos, e Eddie tem o maior ressentimento de Billy, que parece sempre destratá-lo a troco de nada. Pete é o personagem menos explorado de toda a história; esse sonho de “ser a maior banda do mundo” não é, necessariamente, o sonho dele.

Warren é o baterista que, como acontece 99% das vezes, é deixado em segundo plano nesse negócio todo de estrelato, apesar de ser muito bom no que faz. Durante as entrevistas para o material do livro, é um dos que tem o melhor senso de humor, apesar de não estar sempre atento aos acontecimentos que o cercam.

Todas essas pessoas são afetadas diretamente pelo comportamento arrogante de Billy ou autodestrutivo de Daisy, mas também reconhecem que seu sucesso como grupo se dá à química que rola entre os dois vocalistas. 

Quando a banda finalmente acaba, após o show de Chicago, todos têm um motivo plausível para largar o osso, e como todas as narrativas simultâneas se encontram para esse momento em que tudo é perdido é muito incrível. Parabéns à Taylor, novamente, que consegue contar a história de várias pessoas ao mesmo tempo e fazê-las convergir em um ponto crucial da narrativa com naturalidade.

E… Camila

Quando o arco de Camila começa a ser descrito, uma das coisas que imaginei, de imediato, foi: essa aí vai ser a Yoko Ono.

Citação de Karen Sirko no livro Daisy Jones & The Six

Estamos, como sociedade, contaminados com as narrativas sobre Yoko Ono e como ela desfez a harmonia dos Beatles sendo a namorada do líder, John Lennon. Então, quando uma “namorada de vocalista” chega na história com tamanho destaque, não dá pra não pensar que vai dar ruim.

Só que Camila faz o oposto: ela se esforça para manter a banda, deixando Billy tomar as rédeas de cada situação e se colocando longe das decisões importantes do grupo.

Ela, sim, é uma das responsáveis pela separação, mas não porque não gosta da banda, mas porque ama Billy e se vê em um triângulo amoroso em que deixa bem claro: ela não vai desistir, Billy não vai desistir, então cabe a Daisy desistir do amor que sente pelo seu parceiro e grande rival.

Mas não é a única responsável, já que o kissuco, a essa altura, já fervia pra todo mundo. E a forma com que Camila interfere no rumo da narrativa é perfeita, é completamente entendível e relacionável. Qualquer pessoa que já amou e que não quer abrir mão desse amor entenderia sua atitude. Endossar fica a cargo da experiência pessoal de cada um.

E, em uma nota pessoal, saber que ela morreu em decorrência de um quadro de Lúpus me marcou porque minha mãe convive com essa doença há trinta anos – e continua muito bem! Não é um diagnóstico fácil, nem sempre tem a visibilidade que merece, e fiquei muito triste por Júlia e suas irmãs perderem a mãe dessa forma.

Mulheres complexas são a expertise de Taylor Jenkins Reid?

Sim. Sem rodeios, sim. 

Daisy Jones & The Six também tem uma reviravolta nas páginas finais que não chega a ser “meu Deus, que evento!”, mas que é uma surpresa, e das boas. E, claro, vem de uma personagem mulher.

As mulheres em Daisy Jones & The Six são muito reais. São frágeis, são fortes, têm personalidade, têm vontades e estão lutando o tempo inteiro contra as barreiras impostas por seu próprio tempo.

Daisy é a mulher que todas gostariam de ser, magra, linda, famosa e com fortuna, e ainda assim se sente vazia, perdida e sozinha. 

Camila é a mulher bem resolvida que tem suas inseguranças, mas que aposta suas fichas no melhor desfecho e se esforça o quanto pode para alcançá-lo, enquanto cuida das três filhas. 

Karen é a mulher que tem suas ambições pessoais, das quais não faz parte formar uma família, e toma decisões difíceis para manter seus sonhos vivos. 

Simone é a mulher que faz o próprio corre, mas que gasta um tempo enorme da própria vida cuidando da amiga solitária que pode, a qualquer momento, se matar, intencionalmente ou por acidente. 

E Júlia, na minha interpretação, é a mulher que vai em busca da história dos pais, e do maior acontecimento de suas vidas, para deixar viva não apenas a memória daquela que foi, um dia, a maior banda do mundo, mas também a de sua própria mãe.

A gente acaba se identificando em uma delas, ou várias, durante a leitura, porque elas falam de coisas que nós vivemos. Traição, paixão, amizade, preocupação, solidão, sonho, vontade de ser famosa, ter ou não ter filhos, gravidez sem apoio paterno, aborto, colocar ou não o homem na frente dos sonhos e por aí vai.

Por isso são tão reais, dá vontade de pesquisar quem foram essas pessoas no Google, mesmo sabendo que elas não existem nesse universo da vida real. 

Um pequenino detalhe que não posso deixar passar…

Esse foi o segundo livro da autora que li; portanto, não sei dizer se, nos demais, Daisy Jones & The Six e Evelyn Hugo aparecem de alguma forma. Mas, como ambos são focados em estrelas do entretenimento – Evelyn era atriz –, é normal que algum ponto das histórias seja convergente.

No caso de DJ&TS, isso aconteceu com a citação de Mick Riva como um homem que ficava pegando a mulherada toda e tentou ter algo com Daisy Jones quando ela ainda não era mega famosa. Mick Riva é um personagem que aparece como um dos maridos de Evelyn Hugo, sob a alcunha de “o insaciável”. 

Aliás, será que Evelyn vira série, também? Tomara.

Sobre a série…

Não quero falar muito porque o foco aqui é o livro, MAS, só pra não passar em branco: achei muito gostosa de assistir, emocionante, rápida e com as licenças poéticas bem adequadas. 

AMEI AS MÚSICAS. 

O fato de a série ser produzida pela autora do livro dá esse alívio de saber que nenhum personagem mudou sua essência, mas que as tramas e as particularidades da série se diferenciam do livro pra caber no formato de TV.

Melhores frases de Daisy Jones & The Six

O que levo de DJ&TS? Além da lembrança de uma leitura incrível, rápida, cativante, que faz a gente que gosta de escrever repensar a maneira como fazemos isso, para, quem sabe, conseguir chegar nesse nível de escrita literária, marquei diveeeersas páginas com frases inesquecíveis. 

Todas elas estão abaixo – e são de autoria de Taylor Jenkins Reid com tradução de Alexandre Boide. Não as utilize para capitalização própria, ok? Mas fique à vontade para senti-las e aplicá-las na vida, sempre que forem aplicáveis. 😉

Quem já leu vai entender a referência… 😉

“Os homens parecem achar que merecem um prêmio quando tratam as mulheres como seres humanos”. (p. 35)

“Está aí a grande vantagem de ser homem. Ser feio não estraga a sua vida”. (p. 43)

“A vida boa nunca é boa pra vida”. (p. 54)

“Já vi muitos casamentos em que todo mundo é fiel e ninguém é feliz”. (p. 71)

“A gente precisa mostrar que tem fé nas pessoas mesmo quando elas não merecem. Caso contrário não seria fé, certo?” (p. 82)

“Uma pessoa que insiste em ter as condições perfeitas para produzir não é uma artista. É uma imbecil”. (p. 86)

“Democracia é um ótimo conceito, mas bandas não são países”. (p. 156)

“Não é minha responsabilidade controlar o tesão de ninguém. É responsabilidade de cada um não ser um babaca”. (p. 160)

“Às vezes parece que alguns de nós estão correndo atrás de nossos pesadelos da mesma forma que as outras pessoas correm atrás de seus sonhos”. (p. 168)

“Se fosse para acreditar nisso, diria que sua alma gêmea seria alguém que tem tudo o que você não tem e que precisa de tudo o que você tem a oferecer. Não alguém que sofra pelas mesmas coisas que você”. (p. 181)

“Acho que sei sobreviver, apesar dos meus instintos falhos”. (p. 187)

“Ter confiança é ficar bem quando você se sai mal, e não apenas se sentir bem por ter acertado”. (p. 192)

“O mais assustador era que a única coisa que separava um momento de tranquilidade da maior tragédia da minha vida era uma simples escolha de não fazer aquilo. Isso me deixou atordoado, a precariedade do equilíbrio da vida. Não existia nenhuma força todo-poderosa para impedir coisas que não deveriam acontecer de acontecerem”. (p. 215)

“O que fica na história é o que você fez, não o que quase fez, não o que pensou em fazer”. (p. 217)

“As pessoas gostam de ficar tristes. Mas detestam finais tristes”. (p. 234)

“A aceitação é uma droga poderosa. E eu sei do que estou falando, porque já experimentei todas elas”. (p. 237)

“Todo mundo precisa ter alguém na vida que jamais deixaria você estragar tudo. Alguém que pode até discordar de você. Pode até partir seu coração de tempos em tempos. Mas você precisa ter, no mínimo, uma pessoa na vida que sempre vai te falar a verdade”. (p. 244)

“Os melhores textos são esses – os que parecem que se escrevem por si mesmos”. (p. 259)

“É preciso ficar ao lado dos amigos mesmo nos piores momentos. E segurar a mão deles nas horas mais dolorosas. Sua vida se define por quem segura sua mão. Ou pela mão de quem você decide segurar”. (p. 302)

“São as pessoas que nunca te amaram que vêm à sua mente quando você deita para dormir. Você sempre se pergunta como teria sido, e não existe uma resposta. Talvez seja melhor nem saber mesmo”. (p. 328)


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