Como sobreviver ao caos com poesia

O ano de 2018 foi intenso na minha vida pessoal e se recheou de aprendizados no segundo semestre de forma muito particular.

Entre as inúmeras experiências que vivi, uma delas foi a catarse coletiva de tentar lutar contra a possibilidade de um governo que, no meu entendimento, nos faria mal. E, mais tarde, ter que dar conta do recado: pelo menos na esfera política, não dá pra fugir das escolhas que os outros fazem por nós.

Depois de outubro, foi um exercício diário tentar compreender as razões do próximo. Confesso que, até agora, continua sendo. O governo eleito desperta o pior da minha vasta personalidade, fazendo com que eu ora tenha ímpetos de soltar palavras odiosas, ora queira me acocorar num canto e esperar tudo passar. Entre essas duas reações, às vezes ocorre um sopro de calmaria, como se o mundo que eu visse da janela fosse outro, fosse algo que eu só precisasse viver se realmente quisesse.

Se, quando for velha, estiver taxada de louca, podemos ter em 2018 o fio condutor dessa loucura. O ano em que, por alguns momentos, ou dias, ou meses, quem sabe, decidiria viver em uma ficção, e não na realidade com a qual fui apresentada.

Uma coisa que aprendi em 2018, e jamais esquecerei, é que a dor irritante da ira pode ser o despertador da arte. Em grandes proporções, a arte me salvou de surtar quando eu acreditava que tudo ao meu redor estava desmoronando. Você pode me chamar de dramática, exagerada – e talvez eu seja, mesmo. Talvez, não; eu certamente sou.

E não haveria medicamento para a ansiedade do que estava por vir que me curasse tanto quanto consumir uns poucos ou muitos versos de discursos que falassem ao meu coração.

Vale confessar, aqui, que nessa história de política, eu nunca soube realmente o meu lugar. Mas, dessa vez, bateu forte a questão de como o governo eleito vê o feminino, o feminismo, as questões sociais que eu aprendi, ao longo dos meus anos, a entender e a respeitar. Então, sim, precisei ouvir de alguém que não estava só, e me senti acolhida por ouvir inúmeras vozes que me disseram exatamente isso.

A partir de então, todas as vezes em que preciso de um pouco de sanidade que vem de fora, leio as poesias que pessoas fizeram, inclusive bem antes de eu nascer, e as palavras me fazem encontrar o caminho.

Elegi uma como a especial preferida para os próximos quatro anos – e é ela que replico aqui embaixo. Tem me ajudado bastante, e, nos piores dias, dobro a dose: uma leitura às 8h e uma doze horas depois. Se persistem os sintomas, Bukowski deverá ser consultado.

Mas essa, cujo título está logo abaixo, foi a primeira que li quando descobri que eu era voto vencido, mas não estava só. E, acredite, onde quer que esteja, você também não está.

Instruções para esquivar o mau tempo

Paco Urondo (1930 – 1976).

Em primeiro lugar, não se desespere e, em caso de agitação, não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.

Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.

Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.

Não deixe que a estupidez se imponha.

Defenda-se.

Contra a estética, ética.

Esteja sempre atento.

Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.

Ria ostensivamente.

Tire sarro: a direita é mal comida.

Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.

São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.

Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.

E tomar no cu, quando o solicitem de cima.

Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.

Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.

Lembre que os artistas serão sempre nossos.

E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.

Tudo vai ficar bem se você me ouvir.

Sobreviveremos novamente, estamos maduros.

Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.

Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.

Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.

Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.

Ser piedosos com os amigos.

Não confundir os ingênuos com os traidores.

E, mesmo com estes, ter o perdão fácil, quando voltarem com as ilusões acabadas.

Aqui, ninguém sobra.

E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.

Andar sustentados em teimosias, se a fé desmoronar.

Nisso, não haverá trégua para ninguém.

A poesia dói nesses filhos da puta.

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