Piano Man: quando a música é literária

Se tem algo que me inspira e desperta, me encanta e comove, para além das palavras que leio, são as palavras que escuto. Amo música. Ainda que tenha uma tatuagem escrita The Rock Show no cofrinho, quando boa, qualquer música me serve.

A música é parte imprescindível do meu processo de escrita criativa. Eu só consigo escrever do fundo do coração se tiver alguma música que me toca profundamente para converter o sentimento em atividade. Talvez o próximo tópico do texto sobre como escrever o livro seja a criação da playlist perfeita…

… mas não é sobre música, no geral, que quero falar hoje. Quero falar daquelas que contam histórias. Histórias completas. Nas quais você pode ver os personagens, sentir suas dores, seu crescimento, seus desafios.

A música serve pra ser música e sei lidar com isso, mas você já parou pra pensar que existem músicas literárias?

Tive esse insight enquanto ouvia Piano Man, de Billy Joel.

Percebi que a música, que a gente ouve em versos, poderia virar prosa, se quisesse. E isso a deixou ainda mais bonita, pra mim e pra minha imaginação. Transformei Billy Joel, antes apenas um cara que eu gostava, em um gênio!

É, basicamente, um conto curto, sobre um homem que toca em um bar aos sábados. A cena é sua leitura da multidão que o escuta, cada um com suas vidas e frustrações, sem que ele perceba – ou perceba, em sua última frase – que ser o homem do piano é sua própria frustração. Ele também é integrante da solidão compartilhada. E que, triste como observar a patética vida dos outros, ele também não pode fazer nada com a própria.

A melodia nos coloca na pele de um músico frustrado, um “grande cantor que só se apresenta em churrascarias”, mas podemos levar essa mesma lógica para qualquer outra profissão. É por isso que acho a música literária de Billy Joel tão forte, intensa e tocante. Todos nós, em algum momento, somos o homem do piano.

Ouvi-lo é um privilégio, mas lê-lo também pode ser legal. Compare o “conto” com a música original e veja o que acha.

 

O homem do piano

Por William Joseph Martin Joel

 

São sete da noite de um sábado. O público regular começa a se misturar. Há um homem velho, sentado perto de mim, fazendo amor com sua gin tônica.

– Filho, você pode tocar uma memória pra mim? – ele diz. – Eu não estou certo de como era a letra… mas é triste, e doce, e eu sabia cantá-la completamente, quando era mais jovem.

E a multidão parecia me dizer “cante-nos uma canção, homem do piano, cante para nós hoje à noite. Estamos todos dispostos a ouvir uma melodia, e você nos faz sentir bem”.

O John, do bar, é um amigo meu, e me traz drinques de graça. É rápido para contar piadas, ou para acender um cigarro. Mas existe outro lugar em que ele gostaria de estar.

Ele diz:

– Bill, eu acredito que isso está me matando – e um sorriso desaparece de sua face. – Estou certo de que conseguiria ser uma estrela de cinema, se ao menos pudesse sair desse lugar.

E o Paul, ele é um escritor que trabalha como corretor de imóveis, que nunca teve… tempo… para uma esposa. E está conversando com Dave, que ainda está na marinha, e provavelmente ficará lá a vida inteira.

Enquanto isso, a garçonete está sendo política, enquanto um homem de negócios começa, devagar, a ficar chapado. Eles parecem compartilhar um drinque chamado “solidão”, mas é melhor que tomá-lo sozinho.

O público está bom para um sábado, e o gerente me dá um sorriso. Ele sabe que sou eu que esse povo vem ver, para esquecer sobre a vida por um instante.

E o piano, o piano soa como um carnaval, e o microfone está cheirando a cerveja. As pessoas se sentam no bar, colocam moedas no meu jarro e me perguntam:

– Homem, o que você está fazendo aqui?

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