Romance LGBT: O Homem de lata

Essa é uma dica de leitura sem spoilers.
resenha O Homem de Lata Sarah Winman

Se você é fã de histórias de amor que terminam muito bem para todos os envolvidos, esse livro não é pra você. Mas, se gosta de ver o amor romântico também pelo viés da sensibilidade e da perda, um pouquinho longe desse tal de “felizes para sempre”, acho que esse é o livro.

O Homem de lata transborda melancolia, seja no andar de sua própria carruagem ou nos elementos externos que a autora, Sarah Winman, traz para compor as cenas. 

Sinopse bem rápida: o livro começa em 1950, com Dora, mãe do protagonista Ellis, em um momento de violência psicológica. Ao ganhar uma rifa, seu marido a avisa para trocar o prêmio por uma garrafa de uísque, o que ela não faz. Em vez disso, resgata um quadro de girassóis, uma réplica do famoso retrato do pintor Van Gogh. 

Daí, já pulamos para 1996, com a perspectiva de Ellis. Ele trabalha em uma fábrica de automóveis, na oficina de pintura – daí o título de “homem de lata” – e, ainda que não seja velho, já não é mais jovem. O que vamos ver nas páginas a seguir é um passeio desse homem por suas memórias e escolhas. 

Basicamente, é como olhar no espelho e perguntar “e se eu?” mas, ao invés de seguir a vida, ficássemos inertes, esperando entender onde estava o erro, ou o acerto, que nos trouxe até aqui. 

Capa do livro O Homem de lata, de Sarah Winman

Mas a história não é só de Dora e Ellis: é também de Annie e Michael. O trio está em uma foto que faz parte da decoração de Ellis e nos mostra, já de cara, que ele é o único que ainda está vivo. A amizade deles, tão simples, verdadeira e sem amarras, é o que dá o tom desse ensaio sobre o amor real.

Por que O Homem de Lata é um romance LGBT?

Desde o início do livro sabemos que Ellis e Annie foram casados até que a morte os separasse, e também sabemos que ela a encorajava de “ir atrás dele” sempre que via a oportunidade. “Ir atrás dele”, nesse caso, é saber o paradeiro de Michael, o melhor amigo, que Ellis não vê há anos. 

Annie tem um papel fundamental na narrativa, dando a Ellis pistas para descobrir os verdadeiros sentimentos. Ela sabe que, quando jovens, após a morte de Dora, Ellis e Michael se beijaram. Chegaram a “fugir” para a França e pensar em nunca mais voltar, vivendo para sempre aquela história.

Impossibilitados de fazê-lo, eles voltam à Inglaterra, onde a trama se passa, e os dois adolescentes e Annie se tornam inseparáveis. Conforme Michael vai saindo de cena, por motivos que o leitor entende mais adiante, Ellis e Annie se apaixonam e se casam.

E aqui vale falar que Ellis amou Michael, mas também amou Annie, o que faz desse romance LGBT uma história com protagonista bissexual, embora ele não tenha afirmado o ser em nenhum momento. Sabemos disso pela expressão de seu desejo e amor pelos dois amigos, de ambos os sexos, e da intensa dor que o herói sentiu ao perdê-los.

Já Michael, como ele próprio narra, em primeira pessoa, na segunda parte de Homem de Lata, é gay. Ele continua apaixonado por Ellis, mas, no decorrer da vida, também encontra outro amor em outro homem, em uma situação tão melancólica quanto todas as outras que dão essa cor ao livro. 

Annie e Dora, a mãe de Ellis, são personagens progressistas, que veem na amizade dos homens algo além do afeto fraterno, e não parecem se incomodar com isso, ainda que estejamos falando de uma descoberta sexual nos idos dos anos 1960. Ou seja, outro mundo, que as exigia coragem não só para lidar com o diferente, mas também para aceitá-lo.

Bottom Leia com orgulho literatura LGBT

Aliás, parece ser até em nome de Annie e Dora que Ellis relembra a história, como uma forma de honrá-las e tentar descobrir, ou redescobrir, quem ele é nessa altura da vida, sem elas e sem Michael.

Sarah Winman para novos escritores

Sara Winman escreveu Homem de Lata anos antes de sua publicação, em 2017, mas não conseguiu publicá-lo de imediato. Seu romance de estreia foi When God was a Rabbit (que ainda não li e não encontrei versão em português) e só quando ele “deu certo” seus agentes literários pediram que ela tirasse o Homem de Lata da gaveta. 

Isso significava, no momento, reescrevê-lo de forma que se tornasse algo mais “a cara dela”.

Sarah disse em uma live no YouTube que reescrever um romance é um exercício de tirar do livro tudo o que o livro não é, e eis aí uma excelente dica para escritores iniciantes. Muitos nomes da literatura falam que essa reconsideração é muito importante para tirar da narrativa tudo o que realmente não interessa ou que a esteja impedindo de ganhar vida própria. 

Assim, para a autora, pegá-lo para reler e refazer anos depois de tê-lo escrito foi uma oportunidade de recontar a história com um ponto de vista mais maduro, uma escrita mais madura. De certa forma, isso funciona para todos nós.

O Homem de lata e eu

Lembro que comprei O Homem de Lata em uma promoção da livraria, por dez reais, e o fiz por um único motivo: a citação de O Mágico de Oz na capa. Não fosse isso, talvez nem tivesse me interessado, apesar de a capa ser bem bonita e a sinopse nas costas da obra já colocar algo interessante em nossas mãos.

Mas, admito, sou uma grande fã de finais felizes e consegui sentir, com as poucas linhas da contracapa, que não era esse o caso…

Enfim, a boa notícia é que, pelo que vi, a obra continua muito barata e acessível, pelo menos na Amazon. Acredito que, para a maioria, seja uma leitura bem rapidinha e fluida. Apesar de ir e voltar muito no tempo, através das memórias dos personagens, não nos perdemos, por assim dizer, na organização do raciocínio.

Inclusive, a parte em que Michael conta a história é tão intensa que em uma sentada podemos devorá-la.

O Homem de Lata foi editado no Brasil pela Faro Editorial, com tradução de Elvira Serapicos e tem 156 páginas. É um romance LGBT muito terno e com potencial de amolecer o coração dos leitores pela melancolia que nasce das (des)correspondências do amor. 

Se você estiver passando por um momento de descoberta, ou quiser mandar esse recado para alguém que você ama muito, mas ainda não sabe como abordar a pessoa, de repente esse livro seja uma forma bem bacana de começar o assunto. 

Antes de sair…

E você, já leu O Homem de Lata? Pensa em ler? Tem algum romance LGBT para nos indicar? Deixa aí nos comentários!

Aproveito pra fazer o jabá do coraçãozinho: Teoria do Amor, meu primeiro romance, tem uma personagem bissexual. Leia aqui gratuitamente e, se precisar, aqui está um tutorial para fazer sua conta no Wattpad.

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