O lado obscuro é… obscuro

Pra dizer o mínimo.

Eu ainda não sei se gostei ou não desse livro. Provável que não. Acho que não gostei, não. A gente chega no final de O Lado Obscuro com certa satisfação pelo entretenimento, mas admitindo que a autora, Tarryn Fisher, escolheu saídas muito fáceis para situações complicadas. 

É um festival de deus ex machina – uma narrativa que chamarei de sovaqueira, já que a Renata, do Retipatia, fez justamente essa descrição: 

“o povo acha que para surpreender em suspense é preciso tirar explicações do sovaco”. 

E a resenha opinativa sobre O Lado obscuro terminaria aí. 

Miga, sua louca, por que tá falando desse livro então?

Simples: porque, apesar de juntar pontas meio estranhas e deixar algumas coisas no ar – LOST feelings –, ele é muito bem escrito. Eu devorei esse livro em 48 horas. Foi meu recorde em 2020.

Poucas coisas são tão raras quanto um livro que consiga prender a atenção de uma pessoa por tanto tempo, mesmo que se vista de espalhafatos pelo caminho. Só por isso Tarryn e sua obra já merecem a citação nesse blog.

Sinopse (sem spoilers) de O Lado Obscuro

Senna é uma escritora famosa que acaba de ver um de seus livros ganhar a tela dos cinemas. Em seu aniversário de 33 anos, em vez de acordar na própria cama – de uma mansão onde mora sozinha –, ela se vê em uma casa no meio do nada, com neve para todos os lados. 

O local é impenetrável, tanto para entrar quanto para sair, e quem a raptou deixou nessa casa um suprimento de alimentos, roupas e energia para meses de cárcere. Além disso, deixou também Isaac, uma pessoa importante do passado de Senna.

Tudo na casa parece ser peça de um grande quebra-cabeças que Senna e Isaac devem montar se quiserem sair vivos desse inferno gelado. O problema é que, quanto mais o tempo passa, mais eles se sentem esquecidos, sem sinal do raptor e vendo seus recursos minguarem aos poucos.

Através das verdades sobre seu passado, deixadas como migalhas de pão na cabana, para que ela descubra o grande segredo, Senna percebe que, quem quer que esteja ditando as regras do jogo, está jogando com ela. Então, além de achar uma forma de sair do cárcere, ela também precisa entender o que Isaac está fazendo ali. 

Divertido, mas ordinário 

Tarryn Fisher faz de O Lado Obscuro um thriller de suspense muito bom. Isso não se pode negar. A narrativa nos prende, quando não pela curiosidade sobre quem está por trás disso tudo, pela construção dos personagens de Senna e Isaac.

Não vou ser chata e falar que não valeu a pena ler esse livro. Valeu, sim. Me diverti muito – e não acho que a ficção, principalmente de suspense, tem que encontrar minhas expectativas para ser boa. Ao contrário: eu não me arrependo de ler O Lado Obscuro e indico muito a leitura, mas com a ressalva de que, talvez, você feche as páginas com a sensação de que não seria muito difícil ir por outro caminho – e um mais lógico, aliás. 

Se você ainda não leu O Lado Obscuro, pare a leitura dessa resenha aqui (e compre o livro aqui, se quiser dar a ele uma chance). Se já leu, vamos papear mais:

(Zona de Spoiler)

Vamos lá: pouco depois que Isaac e Senna estão presos na casa, aparentemente sem nenhum motivo para tanto, descobrimos que eles têm um passado, onde algo chocante acontece a ela e ele é quem a ajuda a, na medida do possível, se recompor. 

Sobre o que acontece a Senna: o evento traumático que a liga a Isaac acaba por não ter um desfecho. Não descobrimos quem fez o que fez com ela, mesmo que alguns sinais nos façam esperar por uma grande revelação a qualquer momento (tipo a música do Zippo cor-de-rosa, fiquei pensando em quem daria mole de se incriminar sem querer).

Sobre os personagens: a história não tem dezenas de personagens, o que reduz bastante nosso rol de suspeitos de sequestro, mas a revelação da identidade dessa pessoa é, no mínimo, bizarra. Primeiro, porque não houve construção de personagem o suficiente para que nos lembrássemos que essa pessoa existe; segundo, a autora dá explicações simplórias para como essa pessoa conseguiu colocar, sozinha, duas pessoas em cárcere.

E, terceiro, a desculpa para o experimento humano (fazer Senna descobrir a verdade sobre si mesma, que, na realidade, é que ela sempre foi apaixonada por Isaac) é bem esfarrapada. Me colocando no lugar dessa figura, se fosse eu, teria falado “acorda, filha, ele é seu crush da vida” e pronto, situação resolvida.

Colocar duas pessoas em cárcere privado só para que uma descubra que ama a outra é muito 365dni pro meu gosto! ;p   

O Lado Obscuro da falta de redenção (spoilers finais)

Senna não teve uma vida fácil: abandonada pela mãe, ignorada pelo pai, estuprada no dia de Natal e com dupla mastectomia antes dos 30 por câncer de mama, o bolo de tragédias de sua vida contou com esse sequestro sem pé nem cabeça.

Só para que ela voltasse para casa e concluísse que sua mãe ainda não quer saber dela, seu pai nunca mais apareceu na história, sua alma gêmea está casado e tem uma filha e ela está em estágio terminal de câncer porque, no cárcere, ela teve metástase nos ossos.

Assim, temos a protagonista que morre sem ter encontrado nenhum tipo de redenção ou segunda chance de ver a vida por outra perspectiva. 

Aí, você me diz: “mas, na vida real, também é assim; o tempo passa e a morte não espera que a gente resolva nossas inconsistências para só depois nos fazer a visita”. Concordo. Mas é justamente a possibilidade de brincar com o tempo das coisas que separa a vida real da ficção.

E eu, particularmente, não gosto quando o autor não leva isso em conta.

Tipo: não estou falando que ela não poderia morrer. Poderia. Muitos autores matam seus protagonistas; mas, geralmente, isso é feito depois de uma construção minuciosa do personagem. Alguns já até estão mortos quando a história começa. Não é esse o caso.

O caso é que, em O Lado Obscuro, Senna é, desde o início, de saco cheio com a vida. As coisas só vão escalando para o pior e a sua morte parece a “saída fácil” para uma avalanche de merda. Ela não tem redenção própria, no sentido de amar Isaac e poder viver como a escritora que é, e não tem justiça externa.

A polícia nunca descobre a identidade do seu agressor, sua raptora comete suicídio antes do julgamento. Ela nem sequer fica sabendo se foi tudo obra de uma só pessoa ou se haviam cúmplices.

Em outras palavras, mesmo que a escrita de Tarryn seja muito boa, muito boa mesmo, e nos divirta por 90% do livro, não podemos deixar de notar que ele acaba com uma pitada de “mas foi só isso?”. 

O argumento é excelente – duas pessoas mantidas reféns em uma casa super equipada. O que estão fazendo ali? Quem as colocou ali, e por que? –, mas não acho que a autora soube trabalhar com maestria todas as possibilidades dessa narrativa. O que é uma pena. 

Acredito que costurar as pontinhas soltas teria feito muita diferença na experiência com o desfecho da história.

Contudo, continuo afirmando que a jornada é muito boa, com palavras que nos prendem e situações que nos fazem imaginar os mais diferentes cenários. Cabe a nós, talvez, eleger um dos que se formam na nossa própria imaginação como final alternativo. 

Antes de sair…

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