O Apanhador no campo de centeio

Antes de começar a ler O Apanhador no campo de centeio, falei sobre ele na terapia. Tive que falar. Eu morria de medo de ler o livro e, sei lá, fazer uma doideira. Lembro que a terapeuta perguntou: você acha que faria? E eu disse: não. Mas, honestamente, não acho que a maioria das pessoas que acaba fazendo uma doideira achou, algum dia na vida, que faria.

Faz sentido?

A concepção de que talvez eu fosse uma dessas pessoas me foi criada pela mística por trás de O Apanhador, de J.D. Salinger, publicado em 1951. O livro é um clássico.

A narrativa encontra o fim de semana de Holden Caufield, que precisa entrar de férias mais cedo após repetir em todas as matérias da escola. Sua família é rica, ele tem traços inexoráveis de inteligência (inclusive emocional), mas é bem mal-humorado – e, como gosta de deixar bem claro, não vê muito sentido na maioria das coisas.

Essa é a sinopse. Se você ainda não leu, não continue a leitura. Compre aqui O Apanhador e só volte depois que terminar de ler – e eu tenho certeza que você vai voltar.

Agora, se você já leu… bem, temos que conversar.

O amargor da boa leitura

Vamos lá. 

Quando, finalmente, me senti preparada para ler O Apanhador no campo de Centeio, passei o livro inteiro esperando algo muito ruim acontecer. Eu curti muito a narrativa e o ponto de vista de Holden, embora já tenha visto em algum lugar que ler a obra após os 20 anos de idade tira metade de seu brilho, e eu a li com 32.

Mas o fim foi se aproximando, mais e mais e mais e mais e, de repente, acabou. Sem nenhum evento catastrófico, sem nenhuma mudança de direção que justificasse qualquer doideira que as pessoas cometem em nome do livro. 

A escrita de J.D. Salinger é tão boa que chega a ser amarga. A gente se coloca nas cenas, enxerga pela perspectiva do personagem principal, vive um pouco de cada sensação que aquele jovem de 17 anos tem. O fracasso na escola, os amigos que faltam, os pais ausentes, o luto, a preocupação pela irmã mais nova… tudo isso fica impregnado na gente conforme a leitura avança.

Mas é isso. Da forma mais normal possível, O Apanhador no Campo de Centeio é um livro bom. Como é que pode uma obra dessas incentivar tantas maluquices e atos macabros?

A pergunta é honesta. Eu não consegui desvendar o mistério; se você conseguiu, me conta.

Holden e as palavras difíceis

Uma palavra que ronda a mística do Apanhador é misantropia. Trata-se da aversão humana ao ser humano, da constante desconfiança que uma pessoa tem sobre as outras, de forma generalizada. 

Embora possamos ver traços dessa característica em Holden, eu não achei nada de exagerado no comportamento do protagonista. É assim: as coisas que ele fala sobre a humanidade são coisas que eu provavelmente falei, aos 17 anos, ou você, ou qualquer pessoa que ainda nem nasceu vai falar, quando estiver nessa idade.

Um exemplo:

“Eu estou sempre dizendo ‘foi um prazer’ pra alguém que não foi prazer nenhum ter conhecido. Só que se você quiser continuar vivo, tem que dizer essas coisas”.

Não vejo Holden como alguém avesso a seres humanos; ao contrário. A preocupação que ele tem pela irmãzinha, a saudade que diz sentir dos amigos e até sua relação com os livros – ele afirma que o livro é bom quando você quer se tornar amigo do autor – nos mostram que há, nele, algo que acredita na espécie humana.

Muitos de seus momentos podem ser tomados como sinais de depressão, embora eu não seja especialista no assunto, e tenha apenas reconhecido um pedaço ou outro dos sintomas em Holden. 

Mas, ainda assim, não encontrei a justificativa para as doideiras das pessoas. E olha que foram muitas…

Crimes com O Apanhador no campo de centeio

Até aqui, podemos dizer, sem dar spoiler, que O Apanhador no campo de centeio não é um livro de terror, nem policial, nem de suspense, certo? É apenas o fim de semana na vida de um adolescente que tomou bomba na escola.

No entanto, a narrativa banal de um personagem que pode ser lido como superficial ou como complexo, dependendo da sua intenção, é a preferida de uma série de criminosos.

A começar por Mark David Chapman, o homem que matou John Lennon. Ele, basicamente, creditou seu crime ao livro. Disse que, assim como Holden, ele era o apanhador no campo de centeio, que livrava as crianças do abismo – lugar para o qual John Lennon, em seu entendimento, estava indo. 

Um filme sobre o fim de semana do assassinato, chamado Chapter 27, faz clara referência ao livro, que tem apenas 26 capítulos.   

Outro criminoso que foi ligado ao livro, por ter uma cópia de O Apanhador no bolso quando foi preso por assassinato, chama-se Robert John Bardo. Ele matou a sangue frio a atriz americana Rebecca Schaeffer. 

Lee Harvey Oswald, preso pelo assassinato de John Kennedy, também leu a obra de Salinger antes de cometer seu crime. 

Há também a história de John Hinckley, jovem que tentou matar Ronald Reagan e, quando a polícia adentrou sua casa, o livro estava na mesa do café da manhã. 

J.D. Salinger morreu em janeiro de 2010 e, portanto, viu esses crimes e as citações de seu livro a cada um deles. Alguns sites juram ter uma lista extensa de conexões entre potenciais assassinos e sua preferência de leitura. Por eles, fui levada a temer a obra – vai saber, né?

Uma obra para ler, reler e analisar

Mas descobri que não são só os assassinos que podem gostar do livro (ufa!).

Brincadeiras à parte, vale muito a pena ler, reler, analisar e sair à caça de curiosidades sobre O Apanhador no campo de centeio. Esse é um livro que eu certamente lerei em outros momentos da vida, para compensar não tê-lo lido aos 17 anos.

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